Capitalism

O que acontece quando você acredita em Ayn Rand e na Teoria Econômica Moderna

A realidade do auto-interesse irrestrito

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Por Denise Cummins

Tradução e Revisão por membros do Time Linguístico do MZ: Luiza Nora Branagan | Gabriel Bizzotto | Gustavo Canto | Graciela Kunrath Lima

”Ayn Rand é minha heroína”, me diz mais um aluno durante o expediente. ”Seus escritos me libertaram. Eles me ensinaram a não confiar em ninguém além de mim.”

Enquanto eu olho para o rosto viçoso e muito jovem do outro lado da minha mesa, eu me pergunto por que a popularidade de Rand entre os jovens continua a crescer. Trinta anos depois de sua morte, as vendas de seus livros ainda contam na casa das centenas de milhares anualmente – tendo triplicado desde o colapso econômico de 2008. Entre seus devotos estão celebridades altamente influentes como Brad Pitt e Eva Mendes, e políticos como o atual presidente da Câmara Paul Ryan e o candidato presidencial republicano Ted Cruz.

O núcleo da filosofia de Rand – que também constitui o tema principal de suas histórias – é que o auto-interesse irrestrito é bom e o altruísmo é destrutivo. Isto, acreditava ela, é a expressão máxima da natureza humana, o princípio orientador pelo qual se deve viver a vida. Em “Capitalism: The Unknown Ideal” [Capitalismo: O Ideal Desconhecido], Rand coloca desta forma:

O coletivismo é a premissa tribal de selvagens primordiais que, incapazes de conceber os direitos individuais, acreditavam que a tribo era um governante supremo, onipotente, que era dono das vidas de seus membros e podia sacrificá-los sempre que quisesse.

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Por esta lógica, os controles religiosos e políticos que impedem indivíduos de perseguir o interesse próprio devem ser removidos. (Talvez valha a pena notar aqui que a cena de sexo inicial entre os protagonistas do livro de Rand “The Fountainhead” [A Nascente] é ​​um estupro em que “ela lutou como um animal”).

A mosca na sopa de “objetivismo” filosófico de Rand é o simples fato de que os seres humanos têm uma tendência para cooperar e cuidar do outro, como foi observado por muitos antropólogos que estudam os caçadores-coletores. Estas “tendências pró-sociais” eram problemáticas para Rand, porque tal comportamento, obviamente, mitiga o auto-interesse “natural” e, portanto, não deveria existir. Ela resolveu essa contradição ao afirmar que os seres humanos nascem como tabula rasa, uma lousa em branco, (como muitos de seu tempo acreditavam) e as tendências pró-sociais, especialmente o altruísmo, são “doenças” que nos são impostas pela sociedade, mentiras insidiosas que nos levam a trair a realidade biológica. Por exemplo, em seu diário, no dia 9 de maio de 1934, Rand ponderou:

Por exemplo, quando se discute o instinto social – importa se ele existiu ou não nos antigos primitivos? Supondo que os Homens nasceram sociais (e até isso é uma pergunta) – significa que eles têm que permanecer assim? Se o ser humano começou como um animal social – todo o progresso e a civilização não serão passos para torná-lo um indivíduo? Não será o único progresso possível? Se os Homens são os mais elevados dos animais, o Homem não será o próximo passo?

O herói de seu romance mais popular, “Atlas Shrugged” [A revolta de Atlas], personifica esse “mais alto dos animais”: John Galt é um capitão cruel da indústria que luta contra as sufocantes regulamentações governamentais que ficam no caminho do comércio e do lucro. Em uma revolta, ele e outros capitães da indústria param a produção de suas fábricas, pondo a economia mundial de joelhos. ”Vocês precisam de nós mais do que nós precisamos de vocês” é a sua mensagem.

Para muitos leitores de Rand, uma filosofia de autoconfiança suprema dedicada à busca do interesse próprio supremo parece ser uma versão idealizada de valores americanos centrais: a liberdade em vez da tirania, o trabalho duro e o individualismo. Promete um mundo melhor se as pessoas estão simplesmente livres para perseguir seus próprios interesses sem levar em conta o impacto de suas ações para os outros. Afinal de contas, os outros estão apenas perseguindo seus interesses próprios também.

Então, o que aconteceria se as pessoas se comportassem de acordo com a filosofia de “objetivismo” de Rand? E se nós, de fato, nos permitíssemos ignorar tudo e todos a não ser nosso próprio interesse?

A teoria econômica moderna se baseia nesses exatos princípios. Um agente racional é definido como um indivíduo com interesses próprios. Um mercado é uma coleção de tais agentes racionais, cada um dos quais também tem interesses próprios. A equidade não é levada em conta. Em um episódio recente de Planet Money, David Blanchflower, professor de economia de Dartmouth e ex-membro do Banco Central da Inglaterra, riu alto quando um dos anfitriões perguntou: “Isso é justo?”

“Economia não é uma questão de justiça”, disse ele. ”Eu não vou por aí.”

Economistas consideram alternadamente alarmante e divertido um grande corpo de resultados de estudos experimentais que mostram que as pessoas não se comportam de acordo com os princípios da teoria da escolha racional. Somos muito mais cooperativos e dispostos a confiar do que é previsto pela teoria, e retaliamos com veemência quando os outros se comportam de forma egoísta. Na verdade, estamos dispostos a pagar uma penalidade por uma oportunidade de punir pessoas que parecem estar quebrando regras implícitas de equidade nas transações econômicas.

E se as pessoas se comportassem de acordo com a filosofia do “objetivismo” de Rand? E se nós de fato nos permitíssemos ser cegos a tudo, menos nosso próprio interesse?

Um exemplo na indústria

Em 2008, o CEO da Sears, Eddie Lampert, decidiu reestruturar a empresa de acordo com princípios de Rand.

Lampert quebrou a companhia em mais de 30 unidades individuais, cada uma com sua própria gestão e avaliada separadamente em relação a lucros e perdas. A ideia era promover competição entre as unidades, o que Lampert assumiu que levaria a maiores lucros. Em vez disso, o que aconteceu foi o seguinte, como descrito por Mina Kimes, repórter da Bloomberg Business:

Defensor da economia de livre mercado e fã da romancista Ayn Rand, ele criou o modelo porque esperava que a mão invisível do mercado conduzisse a melhores resultados. Se os líderes da empresa fossem orientados a agir de forma egoísta, ele argumentou, administrariam suas divisões de forma racional, aumentando o desempenho geral.

Em vez disso, as divisões se viraram umas contra as outras – e Sears e Kmart, as marcas globais, sofreram. Entrevistas com mais de 40 ex-executivos, muitos dos quais se sentavam nos mais altos níveis da empresa, pintam o retrato de um negócio assolado por disputas internas enquanto suas divisões batalham por poucos recursos.

Um close-up do desastre foi descrito por Lynn Stuart Parramore em um artigo da Salon de 2013:

Virou uma loucura. Os executivos começaram a minar outras unidades porque sabiam que seus bônus estavam amarrados ao desempenho da unidade individual. Começaram a se concentrar exclusivamente no desempenho econômico de sua unidade em detrimento da marca global Sears. Uma unidade, Kenmore, começou a vender os produtos de outras empresas e colocou-os em maior destaque do que os próprios produtos da Sears. Unidades competiam por espaço publicitário em circulares da Sears… unidades já não eram incentivadas a fazer sacrifícios, como oferecer descontos, para atrair compradores para a loja.

A Sears tornou-se um lugar miserável para o trabalho, repleto de lutas e confrontos aos gritos. Os funcionários, focados unicamente em fazer dinheiro em sua própria unidade, deixaram de ter qualquer lealdade para com a empresa ou compromisso com sua sobrevivência.

Todos sabemos o fim da história: os preços das ações da Sears caíram e a empresa parece ir em direção à falência. A moral da história, nas palavras de Parramore:

O que Lampert falhou em ver é que os humanos na verdade têm uma inclinação natural para trabalhar para o benefício mútuo de uma organização. Eles gostam de cooperar e colaborar, e muitas vezes trabalham de forma mais produtiva quando têm objetivos comuns. Tire tudo isso e você criará uma empresa que irá destruir-se.

Um exemplo de Honduras

Em 2009, Honduras sofreu um golpe de Estado quando o Exército hondurenho depôs o presidente Manuel Zelaya por ordem do Supremo Tribunal de Honduras. O que se seguiu foi sucintamente resumido pelo advogado hondurenho Oscar Cruz:

O golpe de 2009 liberou a voracidade dos grupos com poder real no país. Deu-lhes as rédeas para assumir controle de tudo. Eles começaram a reformar a Constituição e muitas leis – as ZEDE (“Zonas de Empleo y Desarrollo Economico” [Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico]) surgem neste contexto – e fizeram da Constituição uma ferramenta para ficarem mais ricos.

Como parte deste processo, o governo hondurenho aprovou uma lei em 2013 que criou zonas de livre comércio autônomas, governadas por corporações em vez do país em que existem. E qual foi o resultado? O escritor Edwin Lyngar descreveu suas férias em Honduras em 2015, uma experiência que o transformou de um apoiador a um crítico de Ayn Rand. Em suas palavras:

Os maiores exemplos de libertarianismo em ação são as centenas de homens, mulheres e crianças em pé ao lado das estradas em toda Honduras. O governo não mantém as estradas, então esses empreendedores desesperados preenchem os buracos com pás de terra ou entulho. Então ficam ao lado do buraco preenchido pedindo gorjetas de motoristas gratos. Esse é o sonho molhado de inovação do setor privado libertário.

Ele descreveu as condições de vida desta maneira:

No continente, há dois tipos de bairros, favelas que parecem se estender para sempre e bairros de classe média, onde cada casa é a sua própria cidadela. Em San Pedro Sula, a maioria das casas são cercadas por altos muros de pedra cobertos com arame farpado ou cerca elétrica no topo. Enquanto eu passava por essas fortificações de castelos, tudo que eu conseguia pensar era o quão legal essa cidade seria durante um apocalipse zumbi.

Sem esforço coletivo, grandes projetos de infraestrutura como a construção e reparação de estradas definham. Um residente “apontou um local de um novo aeroporto, que poderia ser o maior da América Central, se ao menos fosse construído, mas não há setor privado em cima.”

Uma viagem a uma pizzaria local foi descrita assim:

Nós atravessamos os portões dos muros e passamos por um homem de calças casuais com um cinto de pistola pendurado no quadril. Bem-vindo a um paraíso libertário de Ayn ​​Rand, onde sua pizza de pepperoni extra-grande também deve vir com um guarda armado.

Este é o resultado inevitável do autointeresse desenfreado, solto em mercados não regulados.

No entanto, os devotos de Ayn Rand ainda argumentam que o autointeresse não regulado é a maneira americana, que a interferência do governo sufoca o individualismo e o livre comércio. Questiona-se se essas mesmas pessoas defenderiam a ideia de remover todos os fiscais e árbitros de eventos desportivos. O que as artes marciais mistas, o futebol ou o rugby seriam, pode-se perguntar, sem esses árbitros traquinas constantemente ficando no caminho da competição e interesse próprio?

Talvez uma outra maneira de ver isso é perguntar por que nossa espécie de hominídeo é a única que ainda existe no planeta, apesar de ter existido muitas outras espécies de hominídeos durante o curso da nossa própria evolução. Uma explicação é que éramos mais inteligentes, mais cruéis e mais competitivos do que aqueles que foram extintos. Mas a arqueologia antropológica conta uma história diferente. Nossa própria sobrevivência como espécie dependia de cooperação, e os seres humanos demonstram excelência no esforço cooperativo. Em vez de manter o conhecimento, habilidades e bens para si mesmos, os primeiros seres humanos os trocavam livremente entre as culturas.

Quando as pessoas se comportam de maneiras que violam os axiomas da escolha racional, não estão se comportando de forma tola. Estão dando aos pesquisadores uma mostra das tendências pró-sociais que tornaram possível à nossa espécie sobreviver e prosperar… naquele tempo e hoje.

Publicado originalmente no PBS NewsHour.

2016 May 3


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