Por Sally Goerner
Traduzido por Igor Bajerski
De acordo com um estudo recente da Oxfam Internacional em 2010, as 388 pessoas mais ricas possuíam tanta riqueza quanto a metade da população global mais pobre – um total de 3,6 bilhões de pessoas. Já em 2014, esse número se reduziu para 85 pessoas. A Oxfam sustenta que, se essa tendência continuar, ao final de 2016 os 1% mais ricos terão mais riqueza acumulada do que todo o resto da população mundial combinada. Ao mesmo tempo, de acordo com a Oxfam, os extremamente ricos são também extremamente eficientes em evitar pagar impostos, tendo escondido hoje um montante estimado em 7,6 trilhões de dólares em paraísos fiscais. [3]
Por que deveríamos nos preocupar com essa flagrante desigualdade econômica? [4] Afinal, isso não é natural? A ciência do fluxo diz: sim, algum grau de desigualdade é natural, mas desigualdade extrema viola dois dos princípios fundamentais da saúde sistêmica: circulação e equilíbrio.
Circulação é a essência de todos sistemas de fluxo, sejam eles economias, ecossistemas ou organismos vivos. Em organismos vivos, uma fraca circulação de sangue causa necrose e pode matar. Na biosfera, uma circulação deficiente de carbono, oxigênio, nitrogênio, etc. sufoca a vida e causa o colapso de todo sistema vivo, de uma bactéria até a biosfera. Similarmente, uma circulação deficiente de dinheiro, bens, recursos e serviços leva à necrose econômica – a morte de grandes pedaços de tecido econômico, o que em última instância acaba com a saúde da economia como um todo.
Em sistemas de fluxo, o equilíbrio não é somente um estado atraente de se ter, mas um conjunto de fatores complementares – tal como grande e pequeno; eficiência e resiliência; flexibilidade e limitação – fatores para os quais, um equilíbrio ótimo é crítico para manter a circulação em escalas. Por exemplo, a estrutura de ramificação vista em pulmões, árvores, sistemas circulatórios, deltas de rios e sistemas bancários (Fig. 1) conectam uma taxa geometricamente constante de entidades, algumas grandes, algumas médias, e a maioria, menores. Esse arranjo, o qual matemáticos chamam de fractal, é extremamente comum por que seu equilíbrio particularmente pequeno, médio e grande ajuda a otimizar a circulação através de diferentes níveis de um todo. Assim como muitos animais grandes e muito poucos animais pequenos criam um ecosistema instável, o mesmo acontece com sistemas financeiros com muitos bancos grandes e poucos bancos pequenos, o que tende a criar uma circulação e saúde deficientes e uma alta instabilidade.
Em seu documentário, Inequality for All (Desigualdade para Todos), Robert Reich usa cíclos virtuosos para explicar como a circulação robusta de dinheiro serve à saúde sistêmica. Em ciclos virtuosos, cada grau de movimento de dinheiro faz as coisas melhores. Por exemplo, quando salários aumentam, os trabalhadores têm mais dinheiro para comprar coisas, o que deve aumentar a demanda, expandir a economia, estimular o emprego e impulsionar a arrecadação de impostos. Em teoria, o governo então passará a gastar mais em educação, o que por sua vez vai aumentar a capacitação dos trabalhadores, sua produtividade e seu salário. Isso estimula ainda mais circulação, o que faz recomeçar o ciclo virtuoso. Em termos de fluxo, tudo isso é a representação de um robusto fluxo construtivo, aquele que desenvolve capital humano e de rede e causa uma melhora de bem estar para todos.
É claro que as vezes as economias também podem exibir ciclos viciosos, nos quais a fraca circulação faz com que tudo vá abaixo – i.e. queda de salários, consumo, demanda, emprego, arrecadação de impostos, gastos do governo, etc. Esses são fluxos destrutivos, aqueles que fazem a saúde de um sistema ruir.
Ambos ciclos virtuosos e viciosos têm acontecido em várias economias em vários tempos e sob variadas teorias econômicas e pressões políticas. Mas, para os últimos 30 anos, a economia global em geral, e a Americana em particular, testemunharam um estranho padrão de combinação no qual a prosperidade está explodindo para CEOs e especuladores de Wall Street, enquanto o resto da economia – particularmente trabalhadores, classe média e pequenos negócios – têm passado por um ciclo vicioso. A produtividade cresceu massivamente, mas os salários estagnaram. O consumo se manteve razoavelmente alto por que, em um esforço para manter o seu padrão de vida, os trabalhadores: 1) adicionaram horas, se tornando famílias com duas fontes de renda, muitas vezes com dois e até três empregos por pessoa e 2) aumentaram suas dívidas. A desigualdade disparou por que a taxação efetiva do 1% mais rico caiu (não obstante uma parcial reversão durante o governo Obama), ao mesmo tempo que sua renda e lucros cresceram excessivamente.
Deveríamos nos preocupar com esse tipo de desigualdade por que a história mostra que muita concentração de riqueza no topo e muita estagnação em todo o resto indica uma economia beirando ao colapso. Por exemplo, como Reich mostra (Figura 3a e b), ambas as quebras de 1928 e 2007 se seguiram a picos nos quais o 1% no topo detinha 25% da riqueza total do país.
Fig. 3a: Divisão da renda do top 1% (Reich 2013) & 3b Reich pontua que os dois picos se parecem com uma ponte suspensa, com altas seguidas de quedas vertiginosas. (Fonte original: Piketty e Saez, 2003)
O que conta para essa estranha mistura de aumento de concentração no topo e aumento de desconforto em todo o resto? Colocando de lado os paralelos com 1929 por um momento, as explicações mais comuns para a situação dos dias de hoje incluem: o aumento da tecnologia que torna muitas profissões obsoletas; e a globalização que coloca pressões incríveis nas empresas para baixar salários e terceirizar funções para poder competir com baixos salários pagos ao redor do mundo.
Mas, enquanto tecnologia e globalização estão claramente criando pressões transformativas, nenhum desses fatores explica completamente nossa situação atual. Sim, tecnologia torna muitas profissões obsoletas, mas também cria muitas novas profissões. Ainda, enquanto os governos alemão, sul-coreano e norueguês investem em educação para suas forças de trabalho poderem preencher esses novos empregos, o governo Americano vem cortando esses investimentos há décadas. Pensamento similar vale para a globalização. Sim, industrialização de altos volumes – isto é, competição cabeça-a-cabeça em preços de bens uniformes produzidos em massa – leva a uma corrida para o fundo; isso é sabido há um longo tempo. Mas em The Work Of Nations (O Trabalho das Nações) (2010), Robert Reich também pontua que empresas que estão prosperando através da globalização e tecnologia são aquelas que perseguem aquilo que ele chama de capitalismo de alto valor, a customização de alta qualidade de bens e serviços que não podem ser duplicadas pela uniformização da produção em massa em lugares baratos ao redor do mundo.
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Então, embora os impactos da globalização e tecnologia sejam profundos, a verdadeira explicação para a desigualdade repousa primariamente em uma crença econômica que, intencionalmente ou não, serve para concentrar riqueza no topo extraindo ela de todo lugar. Esse sistema de crença é chamado variadamente de neoliberalismo, Reaganomics, escola de Chicago, e economia trickle-down. Ele é facilmente reconhecível por suas ideias clássicas: desregulação; privatização; corte de impostos para os ricos; reversão de proteções ambientais; a eliminação de sindicatos; e a imposição de austeridade ao povo. A ideia era de que, ao liberar as forças do mercado, provocariam uma maré crescente que elevaria todos os barcos, mas o único barco que realmente se levantou foi aquele do 0,01%. Enquanto isso, a instabilidade cresceu.
O impacto que esse sistema de crença teve na economia Americana e suas capacidades pode ser visto na educação Americana. Teorias trickle-down são todas baseadas em cortar impostos para os ricos, o que significa menos dinheiro para a educação pública, mais pessoas sobrecarregadas com grandes dívidas estudantis, e menos trabalhadores Americanos capazes de preencher os novos empregos de alta tecnologia.
Para ser justo, esse processo não se deve apenas à ganância. A maioria das pessoas que participa dessa queda econômica não se dá conta do seu perigo por que acreditaram no que os santos e sábios da economia lhes contaram, e muitos são recompensados por seguirem seus princípios. Então, o que causa a desigualdade que leva as economias ao colapso? A resposta básica da ciência do fluxo é: necrose econômica. Mas, deixe-me esclarecer essa estória.
Economistas institucionais falam sobre dois tipos principais de estratégias econômicas: a extrativa e a que busca soluções. (Espera-se que os nomes sejam auto-explicativos). A maioria das economias contém ambos. Mas, se as forças extrativas se tornam muito poderosas, elas começam a usar os seus poderes para aparelhar as regras do jogo econômico para favorecer a elas mesmas. Isso cria aquilo que os cientistas chama de loop de alimentação positiva, o qual “quanto mais você tem, mais você consegue”. Visto em muitos tipos de sistemas, esse loop cria um poderoso empuxo que suga os recursos para o topo, drenando do resto do sistema e causando necrose. Por exemplo, o escoamento químico dentro do Golfo do México acelera o crescimento de algas. Isso cria um escalamento do processo de “quanto mais você têm, mais você consegue”, no qual o crescimento massivo de algas suga todo o oxigênio na área que a cerca, matando toda a vida marinha por perto (peixes, camarões, etc.) e cria uma grande “zona morta”.
A economia neoliberal monta uma situação paralela ao permitir que os ricos usem seu dinheiro para extrair ainda mais dinheiro da economia como um todo. Os ultra-ricos aumentam sua riqueza por:
- Pagamento de favores políticos – grandes resgates e subsídios para empresas; o lobby; etc.
- Remoção de limites a comportamentos perigosos – remoção de proteções ambientais; não punição por fraudes financeiras; o fim de leis de controle de bancos, etc.
- Aumento da vulnerabilidade do público – aumento do poder monopolista ao reduzir regulações antitruste; limitação do poder do público de processar grandes corporações; limitação da capacidade do Medicare de negociar preços mais baixos com empresas farmacêuticas; limitação de falências para empréstimos estudantis; etc.
- Aumento de sua própria renda – aumento de salários para CEOs e mais especulação em Wall Street; limitação de seus próprios gastos – externalizando custos, cortando salários de trabalhadores e baixando seus impostos.
Todo esse processo ajuda os ricos a concentrar mais, e circular menos. Em termos de fluxo, portanto, enorme desigualdade indica um sistema que tem: 1) muita concentração e muito pouca circulação; e 2) um desbalanço de riqueza e poder que tende a criar ainda mais extração, concentração, irresponsabilidade e abuso. Esse processo acelera até que a rede humana fundamental se exaure e/ou a necrose em curso alcance o ponto de colapso. Quando esse ponto é alcançado, a sociedade têm três escolhas: aprender, regredir ou o colapso.
O que devemos fazer então? Obviamente, precisamos melhorar nosso comportamento de buscar soluções desde a realidade das empresas e do mercado financeiro até a política e a mídia. Muito disso já está acontecendo. De empresas socialmente responsáveis e formas alternativas de propriedade, a grupos buscando reformas democráticas, mídia alternativa, e o movimento da economia – reformas estão surgindo em todos os lados.
Porém, as soluções de que precisamos também são geralmente bloqueadas pelas forças que tentamos vencer, e retardadas pelo grande ímpeto do movimento de “business as usual”. As reformas atuais também sofrem de falta de poder por que estão acontecendo de forma fragmentada, em um milhão de locais separados com muito pouca troca entre grupos.
Como venceremos esses obstáculos? A ciência do fluxo não oferece uma estratégia específica, como uma empoderada mudança de perspectiva. Em essência, ela nos fornece um jeito mais efetivo de pensar sobre os processos que vemos todos os dias.
As dinâmicas explicadas acima são muito bem conhecidas; elas são física básica, assim como a lei da gravidade. Aplicá-las às discussões sobre economia de hoje pode ser de extrema ajuda visto que estas foram entregues a debates ideológicos desprovidos de qualquer explicação científica.
Acreditamos que Economia Regenerativa pode fornecer uma estrutura unificadora capaz de galvanizar um vasto leque de grupos de reformas ao esclarecer o que traz saúde a uma sociedade. Mas, essa estrutura somente servirá se estiver sustentada por teoria precisa e medidas efetivas e práticas. Essa solidez é parte do que o Capital Institute e o RARE estão tentando desenvolver.
O paper de John Fullerton, Regenerative Capitalism (Capitalismo Regenerativo), lista oito princípios críticos para a saúde econômica sistêmica. O grupo de pesquisa do Capital Institute, RARE[1], faz uso de recentes avanços científicos – especificamente, a física do fluxo[2] – para criar uma explicação lógica e mensurável de como esses princípios funcionam para criar ou quebrar vitalidade em redes humanas nas quais economias são construídas.
Originalmente pubicado no Capital Institute.
9 de fevereiro de 2017.
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[1] RARE = Research Alliance for Regenerative Economics (Aliança de Pesquisa em Economia Regenerativa)
[2] A “física de fluxo” se refere ao estudo de redes de fluxo, significando que qualquer sistema no qual a existência surja e dependa da circulação de recursos críticos e/ou informação ao longo da totalidade do seu ser. Organismos vivos dependem da circulação de nutrientes e oxigênio. Ecossistemas dependem da circulação de carbono, oxigênio, água, etc. Sistemas econômicos dependem da circulação de dinheiro, informação e recursos. A física do fluxo faz uso de princípios universais e padrões de fluxo para mostrar o que faz economias saudáveis por um longo período de tempo. Embora “sistemas vivos” sejam redes de fluxo, a vantagem de usar princípios mais amplos é de que não há dúvida que os resultados são meramente uma extrapolação metafórica de ecosistemas.
[3] https://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/file_attachments/ib-wealth-having-all-wanting-more-190115-en.pdf; https://www.oxfam.org/en/pressroom/pressreleases/2015-01-19/richest-1-will-own-more-all-rest-2016
[4] Documentário de 2013, http://inequalityforall.com
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