Capitalism

Pare De Reclamar Do Tamanho Do Governo. Comece a Se Preocupar Com Quem O Controla.

O papel do Estado na economia

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Por David Sloan Wilson e Daron Acemoglu

Em uma comunicação que apresentei recentemente no Mercatus Center da Universidade George Mason, eu louvei Friedrich Hayek como um pioneiro por ter descrito os sistemas econômicos como produtos de uma seleção cultural de grupo. Também apontei que suas visões precisam de uma atualização – o que não surpreende, haja visto o que já aprendemos sobre seleção cultural multinível desde então. A atualização não é trivial pois atinge o coração do que Hayek representa no discurso político atual – a ideia de uma economia de livre mercado sem restrições por parte do planejamento estatal. Eis aqui um trecho chave de The Fatal Conceit.

“Roma deu ao mundo o arquétipo do direito privado baseado na concepção mais absoluta de bens individuais. O declínio e colapso final desta ordem estendida veio apenas depois que a centralização administrativa em Roma substituiu progressivamente o livre empreendimento. Essa sequência repetiu-se recorrentemente: a civilização pode até se expandir, mas não é provável que avance muito além sob um governo que assuma o controle sobre os assuntos cotidianos de seus cidadãos. Parece que nenhuma civilização avançada já se desenvolveu sem um governo que tivesse como principal objetivo a proteção da propriedade privada, mas recorrentemente a evolução e o crescimento subsequente são barrados por um governo ‘forte’. Governos fortes o suficiente para proteger os indivíduos da violência de seus pares tornam possível a evolução de uma ordem crescentemente complexa de cooperação voluntária e espontânea. Cedo ou tarde, contudo, eles tendem a abusar desse poder e a suprimir a liberdade que antes garantiam para reforçar sua presumida sabedoria superior e não permitir que as ‘instituições sociais desenvolvam-se de um modo aleatório’ (para tomar uma expressão característica que se encontra sob o verbete ‘engenharia social’ no Dictionary of Modern Thought publicado pelas edições Fontana/Harper (1977)” [Londres: ed. Routledge, 1990, p. 32]

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Aqui temos o modelo de Hayek para a história do mundo. Ninguém é mais qualificado para providenciar sua atualização que o economista Daron Acemoglu, do MIT, autor (com James A. Robinson) do magistral Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty [Porque as Nações Fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza, numa tradução livre]. Fui solicitado a entrar em contato com ele para uma entrevista, não por causa de sua obra magna, mas por um pequeno e peculiar estudo sobre agências dos correios e patentes nos Estados Unidos no século XIX, que está disponível na Social Science Research Network e chegou à minha atenção via Twitter.

DSW: Bem-vindo, Daron, a Evonomics.com.

DA: Muito obrigado, David. É um grande prazer ter essa conversa com você.

DSW: Vamos sutilmente começar a tratar de grandes temas a partir seu novo estudo (com Jacob Moscana e James Robinson). O que você mostrou sobre os Estados Unidos do século XIX e por que isso é relevante para os Estados Unidos e para o mundo do século XXI?

DA: Deixe-me começar com algum contexto. James e eu estamos no processo de produção de um novo livro e também escrevendo alguns artigos relacionados a ele. O livro, provisoriamente intitulado Living with the Leviathan [Vivendo com o Leviatã, em tradução livre], é sobre o papel do Estado e relaciona-se bastante com a citação de Hayek com a qual você começou. Quando é que o Estado age como um descarado agente de alguma elite política, reprimindo a sociedade e retirando seus recursos, e quando é que ele trabalha pelo interesse público, pelo desenvolvimento de potencialidades, impondo e implementando leis justas, provendo serviços públicos e protegendo os cidadãos? Tratamos um pouco disso no Why Nations Fail, mas não nos aprofundamos o suficiente. Quanto mais investiga-se esse tema, mais percebe-se que algo a que damos pouca atenção nas Ciências Sociais é, na realidade, central: alguns Estados simplesmente não têm a capacidade de prover serviços, sustentar as leis ou garantir a segurança. Muito de nosso novo livro é dedicado ao desenvolvimento de uma teoria fundamentada historicamente do porquê dessa capacidade do Estado se desenvolver em alguns lugares e não em outros (alerta de spoiler: nós discordamos da visão dominante na Ciência Política e na Sociologia sobre isso, que tal capacidade deve ser precedida por um líder ou grupo político poderoso que imponha sua vontade sobre os outros atores políticos e, acima de tudo, o monopólio da violência sobre a sociedade).

De todo modo, sem me alongar mais na resposta, o artigo com Jacob é um de uma série de artigos em que temos trabalhado para tentar defender que a capacidade do Estado realmente importa muito, assim justificando nossa investigação e teorizando sobre as raízes da competência do Estado em primeiro lugar.

O contexto abordado no artigo são os Estados Unidos no século XIX, que frequentemente é visto como uma sociedade em que o Estado era fraco. Isso não é completamente falso. Mas a fraqueza do Estado federal dos Estados Unidos é constantemente exagerada. O pior é que, a partir dessa observação sobre a fraqueza estatal, salta-se para a conclusão de que foi a fraqueza do Estado norte-americano que lançou as bases do crescimento econômico. Queremos investigar criticamente esse tema. Esse pequeno artigo começa destacando que o serviço postal dos Estados Unidos, que era a maior agência federal e o maior empregador na época, desempenhava um papel central não apenas em conectar o país mas levava uma série de serviços aos quadrantes mais distantes da Nação. Também era um símbolo da presença do Estado federal. Tudo isso nos fez questionar se os condados que tinham agência dos correios tendiam a inovar e patentear. A evidência empírica que apresentamos dá grande sustentação a essa hipótese: a abertura de uma nova agência dos correios está associada a um significante aumento no número de patentes no condado. Não podemos, categoricamente, desconsiderar outros fatores que levariam tanto à abertura de uma agência dos correios quanto a um simultâneo aumento no número de patentes em alguns condados, mas nossa evidência sugere que é pouco provável que isso se dê em virtude de algum fator óbvio que tenha sido negligenciado ou de causalidade reversa. Então, o que encontramos é um sugestivo pedaço de evidência que mesmo na sociedade norte-americana, com seu Estado federal essencialmente fraco, a presença do Estado pode ter desempenhado um papel determinante na inovação.

Essa descoberta é relevante também porque muitas pessoas, incluíndo mais recentemente Robert Gordon em seu novo livro, The Rise and Fall of American Growth [Ascensão e queda do crescimento norte-americano, em tradução livre], dão grande ênfase na inovação tecnológica como subjacente ao crescimento norte-americano, mas sua visão, em geral, é de uma de “tecnologia exógena”, não afetada de modo significativo por instituições ou outras variáveis econômicas. Nossa pesquisa rejeita essa visão, demonstrando que a presença do Estado, provavelmente por causa do reforço dos direitos de propriedade e da oferta de serviços públicos, foi um fator determinante para a inovação, mesmo nos Estados Unidos do século XIX.

DSW: Eu gosto muito da citação de Tocqueville, escrita em 1831, que você faz em seu artigo: “há uma estonteante circulação de cartas e jornais entre esses bosques selvagens… eu não acredito que nos mais esclarecidos distritos da França haja um movimento intelectual que seja tão rápido ou tenha tal escala quanto o destes sertões.” Deixe-me ver se entendi sua tese corretamente, quebrando-a em partes:

1) Uma sociedade de larga escala requer uma infraestrutura para funcionar como uma coletividade unida. Um sistema postal é para uma Nação o que um sistema nervoso é para um organismo;

2) Criar uma infraestrutura de nível societal requer decisões tomadas e implementadas em benefício da sociedade como um todo. O sistema postal dos Estados Unidos não surgiu nem poderia surgir espontaneamente de indivíduos ou subunidades da Nação agindo em favor de seus próprios interesses restritos;

3) Apenas alguns Estados são estruturados de modo a tomar decisões em benefício de todos. Outros são estruturados em benefício de um pequeno grupo de elite, às custas do resto da sociedade. Essa é a distinção que você faz entre sociedades inclusivas e sociedades exploradoras no livro Why Nations Fail.

Isso representa corretamente a sua tese?

DA: Sim. Isso é parte de nosso argumento, mas há mais coisas. A agência dos correios é também um marcador da presença do Estado, em sentido mais amplo. Se um lugar tem a capacidade de manter um posto dos correios, isso significa que ele tem ao menos o nível básico de aplicação e proteção da lei e está na tela do radar para ser monitorado e regulado pelo governo federal (mesmo que esse monitoramento e regulação seja bem leve por quase todo o século XIX). Em outras palavras, é provável que desfrute de todas as coisas que a maioria dos Estados Modernos fornecem e nós tomamos como garantido.

Alguns acreditam que a cooperação humana pode-se desenvolver de um modo espontâneo (Hayek aproxima-se disso algumas vezes), ou já que a cooperação cria uma fronteira, as forças para a evolução de uma psicologia de cooperação de grupo irão garantir que tribos, aldeias e mesmo associações maiores possam desenvolver uma ordem sofisticada sem o Estado. O famoso livro de Roberto Ellickson, Order without Law [Ordem sem lei, em tradução livre], defende que a complexa relação entre fazendeiros e rancheiros no condado de Shasta, Califórnia, ocorria não apenas a despeito da lei, mas sem nenhuma referência à lei, sustentando-se em normas informais que evoluíram ao longo do tempo. Isso pode ser verdade, mas não é o modelo geral do que acontece sem a presença da lei ou do Estado em seu papel de mediador de conflitos e promotor da lei na maior parte do mundo. No Why Nations Fail, explicamos porque a Somália é tão disfuncional, ligando isso à quase completa ausência do Estado na resolução de conflitos. Na Somália, mesmo pequenas disputas podem se transformar em lutas ou até em guerra de clãs porque não há autoridade central que resolva esses conflitos. A grande diferença entre a Somália e o condado de Shasta é que na primeira não há efetivamente um Estado, enquanto no último tudo acontece à sombra de um Estado. Por exemplo, se um grupo de rancheiros decide que essas normas sociais informais não servem mais para eles e pegam em armas contra os fazendeiros, eles sabiam que haveria agentes federais vindo atrás deles.

Como regra geral, e isso é coerente com a citação de Hayek com a qual você começou, nenhuma civilização floresceu economicamente, e eu diria também socialmente, sem um Estado poderoso o suficiente para prover segurança, proteção aos direitos de propriedade, resolução de conflitos e algum tipo de bem público a seus cidadãos. Também é o caso, e enfatizamos muito isso ao longo do Why Nations Fail, que a maior parte dos Estados ao longo da História e mesmo hoje em dia servem aos interesses da elite política e são parte de seus problemas econômicos, não de sua solução. Mas isso não ocorre porque o Estado é desnecessário ou mal, mas em virtude de quem o controla e de que capacidades ele tem e desenvolve.

Estamos tentando ampliar essa perspectiva para deslocar o debate de se o Estado faz muito ou pouco, para o debate de como poderemos obter o melhor do Estado. A resposta é fundamentalmente política. Não podemos nos beneficiar de tantas coisas que consideramos como garantidas sem um Estado forte, mas a nossa sociedade civil e nossas instituições devem ser ainda mais fortes para garantir seu controle sobre o Estado, particularmente porque um Estado eficiente numa sociedade complexa pode se transformar numa ferramenta espetacular para exploração, que inúmeros políticos, burocratas e interesses organizados gostariam de usar em seu próprio benefício e para implementar sua própria agenda. Dito de outro modo, está no DNA do Estado tentar dominar a sociedade, mas isso não é razão para menosprezar o quanto nossa segurança, prosperidade e mesmo nosso desenvolvimento social deve-se às instituições estatais.

DSW: Certo! Uma contribuição da biologia evolucionista é levar esse cenário de volta à aurora de nossa espécie. A maior parte das sociedades de primatas são despóticas e exploradoras em termos humanos. Nossos ancestrais distantes conseguiram controlar as ambições de seus mais poderosos parceiros, ou estabelecer um sistema de dominância reversa, como Christopher Boehm define em seus livros (1,2). Praticamente tudo que é distintivamente humano floresce dos benefícios da inclusão que a dominância reversa proporciona. Então o mesmo e eterno conflito entre seleção intragrupo e intergrupo teve lugar entre as sociedades humanas ao longo da História, nos trazendo às relativamente cooperativas mega-sociedades de hoje, como relatado por Peter Turchin em seu novo livro, Ultrasociety. Antes de continuarmos, pergunto-me se você poderia comentar sobre o que a visão evolutiva de longo prazo e uma explícita teoria da seleção genética e cultural de multinível acrescentam à sua formação em economia histórica e institucional.

DA: Boa pergunta. Gostaria de ter uma resposta completa.

De todo modo, aqui está, talvez, uma visão pouco usual.

Não acredito que podemos entender a sociedade moderna puramente, ou mesmo em sua maior parte, apelando a suas raízes evolutivas na savana ou no contexto de sociedades de pequena escala. E isso ocorre porque o que define muito da sociedade moderna são as relações Estado-sociedade, e o Estado, como o entendemos e definimos hoje, não existia durante a longa duração de nossa evolução. Deixe-me tentar explicar isso com um exemplo. Imagine alguém em quem você confia bastante, digamos um tio, que vem a você e pede para ver o extrato de sua conta bancária e todas as suas transações financeiras nos últimos anos. Você provavelmente rejeitaria a ideia. Apesar do quanto você costumava confiar em seu tio, há algo de suspeito nele querer ter acesso a esse nível de sua vida bancária e pessoal. Mas imagine que o Estado, como autoridade fiscal, faça isso. Você provavelmente não ficaria feliz, mas você consentiria e sua confiança nas instituições estatais não ficaria abalada por isso. Na Dinamarca, onde a confiança no Estado é ainda mais arraigada, essa informação está à disposição do Estado sem mesmo a necessidade de seu consentimento. Por que estou propondo esse experimento mental? Porque ele ilustra como temos muito mais confiança nas instituições do Estado do que em pessoas muito próximas a nós (é claro que isso não é verdade se você vive em muitos lugares da África Subsaariana, América Central, Andes ou muitas partes do Sul da Ásia por uma boa razão, já que a confiança nas instituições estatais não se formou nessas sociedades, compreensivelmente).

Não acredito que isso seja fácil de compreender com as teorias existentes da biologia evolutiva, psicologia evolutiva ou mesmo seleção de grupo. Apesar de não ser meu papel comentar sobre a biologia ou a psicologia evolutiva como um pesquisador de outra área, mas já que você me pediu para fazê-lo, deixe-me acrescentar mais uma coisa antes de finalizar. Li e gostei muito do trabalho de Christopher Boehm. Mas, para mim, ele mais traz uma questão do que responde a um problema. Como podemos ser simultaneamente tão bem preparados biologicamente para sermos cooperativos e igualitários enquanto somos, ao mesmo tempo e obviamente, igualmente bem preparados para sermos despóticos, hierarquizados, assassinos e “exploradores” (tomando emprestado o termo de Why Nations Fail)?

Uma possibilidade, que eu acho muito plausível e abrangente, é que a evolução nos dotou com um conjunto de módulos. Assim, ter a habilidade de utilizar diferentes módulos é uma ótima estratégia de sobrevivência. Alguns desses módulos enfatizam um comportamento igualitário e cooperativo, enquanto outros enfatizam seguir ordens numa situação hierarquizada, especialmente quando essa hierarquia é mantida pela força ou pela ameaça do uso da força; alguns outros enfatizam a habilidade de ser despótico e explorador e outros exploram o ódio, o assassínio e a violência. Ser uma dessas coisa é, provavelmente, inferior a ter a flexibilidade de dispor de um conjunto de módulos para conseguir se adaptar a seu ambiente.  Se você está numa sociedade de pequena escala comandada por um déspota, provavelmente será melhor para você e sua família serem obedientes e respeitosos a serem igualitários e cooperativos por natureza. Se acontece de você estar no círculo íntimo do déspota, então uma propensão natural para dar ordens e explorar pessoas viria a calhar. Mas se você está numa situação igualitária sem uma hierarquia clara mantida pela força, então tudo o que sabemos de seu trabalho e de outros sobre a seleção de grupo ser cooperativa seria muito benéfico quando se leva em conta todas as recompensas.

Isso provavelmente não é de todo contraditório a algumas partes do pensamento mais recente da ciência social evolutiva, mas não o tenho visto expresso desse modo nem suas consequências apontadas. A mais importante consequência, para mim, é que nós realmente temos de encontrar as instituições e relações sociais certas para fazer emergir os módulos humanos certos.

DSW: Obrigado por suas considerações sinceras. Penso que sua visão se aproxima da teoria da herança dual, conforme exposta por Richerson & Boyd, Henrich, Turchin, Jablonka & Lamb, Paul e outros. As mentes geneticamente evoluídas proporcionam um grande número de blocos de construção para que a evolução cultural possa agir a partir deles, apesar desses blocos não serem propriamente os “módulos” imaginados por alguns psicólogos evolutivos (leitores interessados podem acessar aqui para mais neste tópico). A organização social no modo de dominância reversa é uma adição a um modo de dominância muito mais antigo e que antecede nossa espécie, então somos preparados para operar em ambos, como você diz. Na medida em que cada cultura é uma experiência evolutiva peculiar, os blocos de construção são montados de diferentes formas. Os produtos da evolução cultural incluem instituições, normas etc. que são essenciais para o funcionamento de qualquer sociedade e se replicam por meio de meios não-genéticos. A maior parte deste trabalho teve lugar apenas nas duas últimas décadas, então isso é uma novidade para todo mundo.

Voltando ao foco de nossa entrevista, se entendi corretamente, um Leviatã desejável tem de possuir as seguintes características. Primeiro, ele deve ser forte o suficiente para criar competência. Segundo, deve ser inclusivo o suficiente para criar competência para o bem comum. Mesmo quando essas condições se encontram, contudo, existe a questão de [i]como[/i] criar competência em um sistema social de larga escala que seja muito complexo. Planejamento centralizado não vai funcionar. Mercados completamente desregulamentados não vão funcionar. Então, o que [i]vai[/i] funcionar?

DA: Sim, você acertou na mosca. Ele deve ser forte o suficiente para criar competência, mas inclusivo o suficiente para que essas competências sejam para proteger os cidadãos, bens públicos, reforçar as leis na direção da legalidade e dar suporte ao tipo certo de regulação. E isso requer acolhimento, além de fortes controles sobre o Estado, para que ele cada vez menos direcione-se à sua usual tendência a dominar, reprimir e explorar os outros. É exatamente por isso que meu novo trabalho, em conjunto com James Robinson, parte exatamente do consenso na Ciência Política e na Sociologia sobre a importância de primeiro construir-se um Leviatã com um inquestionável monopólio da violência.  Uma vez que se faça isso, têm-se um bloqueio a se seguir numa direção inclusiva: não sobrou muita resistência ao Estado na sociedade, então será mais difícil construir uma forte sociedade civil, transparência e freios contra o Estado e seus agentes.

DSW: Lembro-me de dois de meus exemplos favoritos no Why Nations Fail. O poder teve de ser retirado da monarquia antes da Inglaterra poder se tornar uma sociedade inclusiva. E as primeiras colônias britânicas na América foram forçadas a se tornar inclusivas (diferentemente das colônias espanholas nas Américas Central e do Sul) porque os menos abastados tinham a opção de partir e se tornarem pioneiros.

DA: Minha resposta a sua questão sobre como criar competência sustenta-se, grandemente, nessa observação. Não é um problema de engenharia. É por isso que quando ele é tratado como um problema de engenharia, como algo que podemos desenhar e impor à sociedade, como foi feito na Somália, Iraque ou Afeganistão, ele não funciona, pois segmentos poderosos da sociedade irão lhe resistir. Então, de fato, planejamento centralizado não funciona, mas não apenas pelas razões que Hayek enfatizou (que um planejamento centralizado não pode agregar informação adicional, sabedoria e criatividade da sociedade). Ele não funciona também, e talvez principalmente, porque o planejamento central cria uma particular distribuição de poder político na sociedade, baseado em comando e controle. Uma vez que você tenha isso, você terá criado uma plataforma para o pior tipo de relações entre Estado e sociedade, tudo o mais decorre daí. A mesma coisa pode ser dita sobre mercados desregulamentados, pois algumas vezes eles concentram poder nas mãos de umas poucas empresas e famílias que partem do poder político, do privilégio ou do tipo certo de ativos. Mas o mais saudável tipo de regulamentação não vem de cima, porque algum burocrata a achou necessária, ela vem de demandas de baixo, das pessoas comuns, por proteção ou pelo tipo certo de nivelamento do gramado para que eles possam seguir adiante com o jogo.

É por isso, eu diria, que há uma enorme diferença entre nossa visão e as visões intervencionistas clássicas (por exemplo, associadas a economistas como Keynes e, mais recentemente, Krugman ou Stiglitz). Para toda intervenção que se põe sobre a mesa, deve-se fazer uma análise do custo-benefício não apenas em termos de ganhos e perdas econômicas, mas em termos de fatores políticos. A intervenção tende a fazer com que o controle da sociedade civil, das normas sociais e das instituições sobre os políticos, os burocratas, os serviços de segurança e as elites seja erodido ou mesmo danificado de modo irreparável? Esse talvez seja um teste conservador, mas um teste que eu não gostaria de descartar em troca de um ganho econômico temporário e pequeno.

DSW: Isso está bastante de acordo com a teoria da seleção multinível e o conceito de transições evolutivas maiores, as quais requerem a supressão de comportamentos perturbadores e egoístas dentro de um grupo antes que ele possa funcionar como uma unidade adaptativa. Isso é verdadeiro em qualquer escala, de um grupo de caçadores/coletores a uma regulamentação em escala planetária. Quais são as nações que estão fazendo o melhor trabalho como Leviatãs benignos em sua opinião? Do mesmo modo, a mesma análise pode ser realizada na escala dos 50 estados dos Estados Unidos? Tenho gráficos mentais de The Spirit Level [O espírito do nível, em tradução livre], um livro que merece ser lido em conjunto com Why Nations Fail e Ultrasociety, nos quais a análise dos estados dos Estados Unidos está em conformidade com a análise de nações. A escala da análise poderia ser trazida a níveis ainda mais baixos?

DA: Eu apontaria a Escandinávia e o Canadá como poderosos Leviatãs que são, apesar disso, submetidos ao controle da sociedade, normas e instituições.

E sim, absolutamente, esta análise pode ser aplicada aos Estados mesmo que em associações de menor nível. De fato, muitos serviços hoje nos Estados Unidos, em grande parte da América Latina ou Índia são fornecidos ao nível da municipalidade e os políticos que os cidadãos e os eleitores precisam controlar são antes de tudo os prefeitos e os políticos e policiais locais. Muitas de minhas pesquisas, assim como pesquisas de outros economistas políticos hoje em dia, se dão sobre esse nível subnacional de política e economia.

Mas essa descentralização. Apesar de geralmente útil e empoderadora para a sociedade, também tem um lado obscuro. Ela pode ser um meio para enfraquecer o Estado ou manter a fraqueza do Estado Central. Se olharmos para os Estados Unidos, por exemplo, muitos de seus problemas mais evidentes são consequência de dois séculos de fraqueza estatal, e com isso quero dizer tanto fraqueza do Estado federal quanto fraqueza de todas as instituições estatais com as quais os indivíduos interagem. Assim, como resultado, ainda temos extrema pobreza, baixíssima qualidade da educação e pequena mobilidade social em grande parte dos Estados Unidos hoje. Como resultado, temos uma indecente violência policial contra nossos cidadãos afro-americanos, contra a qual o mais poderoso presidente na Terra não pode fazer nada. É claro, deve-se entender porque essa fraqueza estatal emergiu e persistiu nos Estados Unidos, e parte disso foi uma negociação que compensou generosamente em outros aspectos. Mas hoje estamos pagando o preço por essa fraqueza estatal.

DSW: Penso nisso como o equivalente cultural da multicelularidade. Um organismo multicelular é composto por trilhões de células que devem ser saudáveis ao nível da célula e do organismo. Do mesmo modo, para que uma sociedade humana de larga escala funcione bem, ela deve se organizar em unidades de escala menor que funcionem bem e sejam adequadamente coordenadas para o benefício do todo. Essa é uma tarefa intimidadora que tem sido realizada em grande parte de modo não intencional pela seleção cultural de grupos, como Hayek sabiamente percebeu. Porém, mais que nunca, ela precisa acontecer por meio de uma evolução cultural intencional, compreendendo que isso não significa comando e controle. Creio que Vincent e Elinor Ostrom estavam indo nesta mesma direção com seu conceito de governança policêntrica.

Assim, você distinguiu sua posição tanto da perspectiva de comando e controle associada a Keynes quanto da perspectiva do mercado desregulamentado associada a Hayek. Existe uma terceira via e há alguma esperança de implementá-la no atual ambiente político norte-americano (você já apontou o Canadá e as Nações escandinavas como exemplo)?

DA: Eu gosto dessa analogia com um organismo multicelular. Mas há muitas diferenças chave. Primeiro, é raro para uma célula de alto nível buscar uma estratégia de total exploração que dizimará completamente as células de baixo nível. Mas isso acontece no contexto das relações humanas. Pense nas colônias caribenhas de [i]plantation[/i], como Barbados ou o Haiti nos séculos XVII e XVIII. Esses lugares estavam entre os mais ricos do mundo, porém mais de 80% da população, os escravos que produziam açúcar e outras valiosas [i]commodities[/i], viviam sob condições tão duras e com recursos tão baixos que uma grande parcela deles morria antes dos 30 anos de idade. Este não é, de forma alguma, um quadro impreciso das instituições exploradoras, quando não são controladas. Segundo, nossas vidas não fazem sentido sem a estrutura institucional sob a qual vivemos – que tanto podem ser instituições que funcionem bem, a exemplo das que estamos acostumados no mundo ocidental, ou instituições que apoiem a exploração, como as das colônias caribenhas. Terceiro, eu penso que essas instituições são centrais para garantir que as unidades de menor escala funcionem bem, atuem de modo coordenado e suas informações e inputs sejam transmitidos aos níveis mais altos. Somos a única forma de vida na Terra cuja existência é profundamente entrelaçada com as instituições e com seu funcionamento.

Isso também me serve como uma introdução para responder sua pergunta. Penso que sempre existe uma terceira via. O Estado e suas instituições são algumas de nossas mais sofisticadas criações e ao mesmo tempo algumas de nossas mais perigosas. Muitas coisas das quais dependemos hoje, e muitas das quais tomamos por garantidas, tais como as leis e a segurança pública, emana dessas instituições estatais, mas também a história do Estado é a história do assassínio, genocídio, guerra, repressão e exploração. A terceira via é, larga e amplamente falando, qualquer arranjo que controle esses aspectos abomináveis do Estado enquanto ainda tenta manter os benefícios das coisas maravilhosas que ele tornou possíveis. James e eu chamamos isso de “Estado inclusivo”, mas isso é um tipo ideal, não uma realidade. Todos os Estados têm seu lado obscuro, mesmo o canadense ou os escandinavos que eu mencionei como exemplos das melhores práticas nesse quesito, e conforme eu já pontuei, isso é sempre um trabalho em progresso.

É possível progredir em direção a esse Estado inclusivo nos Estados Unidos neste momento? Eu diria que sim há 15 anos atrás, 10 anos atrás, 5 anos atrás, mas hoje eu me sinto mais pessimista do que nunca sobre os Estados Unidos e sobre o mundo. É claro que eu não estou surpreso que haja um enorme descontentamento entre alguns segmentos dos eleitores e muito disso está misturado com o medo e o ódio dirigido aos imigrantes e às minorias. Mas o tamanho desse ódio foi um choque para mim. Quão receptivo o nosso discurso geral tem sido a isso apenas acrescenta insulto à injúria. E não é apenas isso. A polarização e a paralisia em Washington não podem nos levar a nada além do pessimismo quanto ao prospecto de qualquer mudança institucional positiva. Quando o sistema político não funciona, algumas vezes apenas os protestos e a pressão da sociedade civil podem forçá-lo a trabalhar. Mas temos visto nos Estados Unidos que isso também não está levando a lugar nenhum. (E a situação geral no mundo torna fácil ser pessimista sobre qualquer coisa política hoje em dia).

É claro, não devemos perder a esperança e, no passado, as instituições mostraram uma incrível habilidade de autoreforma e mudança, por exemplo, com a escravidão, ou durante a era progressista, ou no contexto das máquinas políticas e da corrupção municipal, e depois com a luta pelos direitos civis. Talvez isso possa acontecer de novo. Talvez ainda posamos ter esperança.

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DSW: Talvez um modelo teórico claro, o qual acredito estar emergindo graças a pessoas como você e seus colegas, contribuirá para a solução. Essa foi uma ótima conversa e boa sorte em seus empreendimentos.

DA: Muito obrigado, David. Foi tanto divertido quanto instrutivo para mim. Já estava me acostumando com essa nossa conversa. Vou sentir falta dela. Até a próxima.

24 de março de 2016

David S. Wilson é professor de Biologia e Antropologia na Universidade de Binghamton, laureado pela State University of New York (SUNY) e catedrático da cadeira Arne Næss de Justiça Global e Meio Ambiente da Universidade de Oslo. Seu livro mais recente é Does Altruism Exist? [O altruísmo existe?, em tradução livre].

Twitter: @David_S_Wilson


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