Por Didier Jacobs and Sam Pizzigati
Defensores de nosso ordenamento econômico global profundamente desigual tiveram que colocar um pouco mais de horas extras no mês passado. Tiveram que explicar a mais recente evidência – do órgão global de caridade Oxfam – sobre o quão concentrada se tronou a riqueza global. Uma tarefa desafiadora.
Nos idos de 2010, mostra-nos a nova estatística da Oxfam, os 62 bilionários mais ricos detinham US$ 1.1 trilhão em riqueza, bastante distante dos US$ 2.6 trilhões que pertencia à metade menos influente da humanidade.
Agora os números reverteram. Os 62 bilionários do topo detinham, ano passado,$ 1.76 trilhões em riqueza, e a metade de baixo do mundo somente $ 1.75.
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Oxfam conclui: “longe de escoar para baixo, a receita e riqueza estão, de fato, sendo sugadas para cima a um grau alucinante”.
Críticas a favor de grandes fortunas têm uma justificativa para este estado de coisas do topo da pirâmide. Eles nos asseguram que vivemos numa meritocracia. Aqueles com grandes fortunas fizeram grandes contribuições. Merecem seu “sucesso”. Se desejamos encorajar o talento e o trabalho duro, temos de, simplesmente, aceitar a desigualdade que a meritocracia irá produzir.
Será que nossas maiores fortunas refletem de fato o mérito? O economista da Oxfam, Didier Jacobs, no ano passado se pôs a examinar a questão e acaba de publicar um artigo que oferece uma nova visão à meritocracia e a retórica e realidade por detrás dela. No mês passado o editor Sam Pizzigati do To Much pediu que Jacobs, que tem sua base em Boston, compartilhasse o pensamento que conduz sua nova pesquisa inovadora.
To Much: As pessoas que defendem grandes fortunas não defendem, tipicamenbte, todas as grandes fortunas. Reconhecerão prontamente que algumas pessoas ricas nada fizeram por merecer suas riquezas. Mas em seguida argumentarão os afortunados devem de fato, sua riqueza ao talento e esforço pessoal. O que filósofos modernos como John Rawls tem a dizer a respeito desta defesa “meritocrática” da desigualdade?
Didier Jacobs: Muitos filósofos veem o talento como genética ou socialmente herdado. Rawls contesta que mesmo o esforço figura largamente – senão completamente – fora do controle individual. Pessoas agraciadas, criadas em ambientes de suporte com acesso a grandes oportunidades, verão o trabalho duro que nutre seus talentos, muito mais facilitado do que pessoas que tiveram a falta deste ambiente de suporte.
Proponentes da meritocracia não consideram a riqueza herdada como merecida. Então porque deveria ser merecida a riqueza proveniente do talento herdado?
TM: Porém sua pesquisa não se baseia nessa crítica filosófica da meritocracia. Seu novo artigo, essencialmente, coloca a noção de meritocracia a valor de face. Você aceita que algumas grandes fortunas possam refletir o talento e esforço individual e então você segue para examinar o quanto o verdadeiro talento e esforço possam estar envolvidos em certas fortunas específicas. Porque buscar tal aproximação?
Jacobs: Meritocracia se coloca como o argumento número um invocado pelos defensores da desigualdade. É fácil montar uma questão ética contra as extremas concentrações de riqueza a partir das perspectivas do marxismo, utilitarismo e liberalismo igualitário de John Rawls. Mas percorrer o caminho requer que as pessoas que você está tentando persuadir mudem seus sistemas de valores, e isto é difícil.
Destrua o argumento da meritocracia em seus próprios termos e, opostamente, tudo o que resta aos defensores da desigualdade será o libertarismo, um sistema de valor que tem muito menos apelo para o público americano do que a meritocracia.
TM: A figura de “renda” aparece proeminentemente na sua análise. Mas o que os economistas definem como renda vai muito além daquilo que o público em geral vê como renda.
Você poderia determinar aquilo que qualifica um comportamento de “busca por renda”?
Jacobs: De maneira simples os economistas definem renda como a diferença entre o que as pessoas recebem e o quanto elas deveriam ser pagas para fazer o trabalho de qualquer forma. Em outras palavras renda é a receita em excesso, receita que não gera qualquer esforço.
Logo, se sua terra agriculturável for mais produtiva do que a de seus vizinhos, você terá mais produção pelo mesmo esforço e esta receita extra que você obtém será a renda. A busca por renda significa se apoderar da riqueza produzida por outros. O lobby governamental para obter um subsídio é um exemplo.
TM: Seu artigo explora diversas fontes de extrema riqueza. Alguns desses – como crime e compadrio – obviamente se classificam como busca de renda. Ninguém poderia chama-los de meritocráticos. Mas outras fontes – como monopólio – poderiam conter um valor social redentor. Alguns argumentam que CEO’s high-tech como o finado Steve Jobs merecem plenamente sua riqueza pois suas contribuições foram altamente espetaculares. Mas você vê na tecnologia em busca de renda, dinâmicas da alta tecnologia que mais do que compensam executivos como Steve Jobs. Que espécie de dinâmica?
Jacobs: O modelo de negócio da Apple se sustenta majoritariamente em dois tipos de renda: a propriedade intelectual e a amarração, obrigando os consumidores da Apple a comprarem o hardware e o software em conjunto. E a Apple, como a maioria das grandes companhias de tecnologia, também se beneficia de outra fonte majoritária de renda: as externalidades do network.
Uma externalidade de network existe quando consumidores obtém valor de outros consumidores usando o mesmo produto. De modo que a companhia que obtém a massa crítica de consumidores tende a atrair um número muito maior deles. Um exemplo clássico é o Facebook. A maioria das pessoas usam o Facebook porque todos os seus amigos usam o Facebook. Um site competidor poderia ter uma melhor interface para o usuário mas mudar para este site eliminaria o propósito do networking social.
O mesmo fenômeno se mostra vantajoso para a maioria, se não todas, as grandes companhias de TI As pessoas procuram por motoristas do Uber porque sabem que a maioria dos motoristas usam o Uber para oferecerem seus serviços.
Não me julgue erradamente, Steve Jobs merecia ter sido rico. Não tenho dúvida de que trouxe uma considerável contribuição à humanidade através do talento e trabalho duro. Mas eu argumento que ele não merecia ser extremamente rico porque sua riqueza era originada, em grande parte, de rendas.
A indústria de TI se parece com a de mineração em um aspecto. Minerar ouro pode ser útil à sociedade e a companhia que ganha a licença para explorar determinada área irá, normalmente, ter melhores resultados do que suas competidoras. Mas esta companhia não criou o ouro, e por isto os governos em geral taxam os royalties pelo privilégio de sua extração.
De maneira similar, as companhias de TI criam produtos úteis e as mais proficientes, em geral irão dominar o mercado de determinado produto. Mas os monopólios de TI não criam externalidades de network. Eles tiram proveito delas.
São essas externalidades de network que criam a extrema concentração de riqueza. Eu diria que essas externalidades pertencem à sociedade, assim como o ouro abaixo da superfície, e assim a riqueza gerada deveria ser partilhada.
Você não precisa ser particularmente radical para ter esta perspectiva. Mesmo uma revista de negócios enraizada no mainstream econômico como o Economist sugere isto.
TM: Como vai sua pesquisa em relação a quantificar o tanto da riqueza dos bilionários de hoje que possa ser legitimamente reclamada como tal?
Jacobs: Eu uso a lista de bilionários da Forbes. Forbes identifica os bilionários que herdaram suas fortunas e também aponta os países e indústrias que originaram a riqueza de cada bilionário. Esta informação nos permite quantificar a proporção da riqueza dos bilionários do mundo em diferentes categorias.
Assim podemos calcular o quanto da riqueza bilionária provém de herança. Também podemos calcular o quanto poderá vir de conluio, que eu defino como riquezas geradas tanto através de países sujeitos à corrupção quanto pela Indústria dependente do Estado. E podemos calcular quanto da riqueza bilionária vem de falhas de mercado como monopólios, que eu defino como riqueza derivadas de finanças e TI.
Somando tudo, minha pesquisa aponta 65% da riqueza bilionária do mundo proveniente de renda de conluio, herança e monopólio.
TM: Sua análise deixa 35% da riqueza bilionária corrente como “ não afetada por conluio, herança ou monopólio. Mas isto, conforme relato em seu novo artigo, não deixa os demais 35% de alguma forma merecidos, e você cita a globalização como razão chave para isto. Como nossa economia globalizada impacta na questão do mérito?
Jacobs: A contribuição de um indivíduo para a sociedade depende tanto da utilidade intrínseca da contribuição quanto do tamanho da sociedade. Tome Johannes Gutemberg por exemplo. Ele inventou a impressão em 1439. A maioria de nós, creio eu, concordaria que a impressão foi uma invenção tão importante como a do Google. No entanto Gutemberg não se tornou um bilionário.
Gutemberg não se tornou extremamente rico porque a economia mundial no século XV era pequena e fragmentada demais para suportar grandes fortunas. Eles não tinham um bilhão de pessoas espalhadas por todo o mundo àquela época que tivessem um dolar sobrando para equipamento de impressão.
Toda a riqueza de um bilionário, hoje em dia, depende em ter acesso a uma grande população conectada através de uma economia globalizada. Quanto mais esta economia global cresce, mais ricos se tornam nossos bilionários. O crescimento ocorre independente do esforço e talento de qualquer indivíduo, logo não podemos dizer que os bilionários merecem os lucros que caminham junto com o crescimento econômico.
De fato, os bilionários não merecem a imensa população que torna suas fortunas possíveis. Eles apenas nasceram dentro dela – e isto levanta a questão de se a sociedade deveria colocar um teto na concentração de riqueza.
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Se as atuais políticas públicas se mantiverem inalteradas, um dia, quase certamente veremos um trilionário, simplesmente porque a população e a economia global deverá continuar crescendo.
Esta questão – a dependência da riqueza extrema através da existência de uma imensa sociedade globalizada – raramente é discutida. Nem seu corolário, se precisamos um teto para tal riqueza. Ambas me atingem como questões importantes da sociedade.
TM: Onde a sorte se enciaxa nisso tudo?
Jacobs: Meritocracia é algo a respeito de contribuir para a sociedade pelo talento e esforço, mas também por assumir riscos. Todo bilionário realizou diversas grandes apostas calculadas – sabiam que poderiam perder tudo. Isto nos traz à minha última crítica sobre meritocracia: a desigualdade entre as pessoas talentosas que trabalham duro, fazem uma aposta e ganham, e aquelas igualmente talentosas e trabalhadoras que fazem uma aposta e perdem.
Ambos, ganhadores e perdedores, se igualam como merecedores. No entanto um pode ser milhares de vezes mais próspero do que o outro apenas por causa da sorte.
A nossa desigualdade crescente reflete uma sociedade com mais e mais mercados do tipo “o vencedor leva tudo” onde muitos indivíduos talentosos competem por espaços cada vez menores. Assim sendo, os vencedores, muitas vezes, devem seus lugares à sorte
TM: Então será que uma pessoa razoável poderá argumentar que o nosso mundo profundamente desigual possa, de alguma maneira, ser devido à meritocracia?
Jacobs: A noção de meritocracia faz sentido para a porção do meio de nossa distribuição de renda: uma enfermeira de performance destacável deverá fazer mais dinheiro do que a mediana e mereceria a renda extra. Mas, de forma alguma, a meritocracia pode justificar a extrema desigualdade.
Eu gostaria de despersonalizar o debate sobre a desigualdade. A desigualdade extrema não é dirigida pelos méritos ou vícios e virtudes particulares de um indivíduo, mas pelas forças sociais, econômicas e políticas. Em Oxfam nós temos uma noção profunda das “armadilhas da pobreza” que mantém as pessoas na pobreza. Meu novo artigo é sobre as “armadilhas da riqueza” que concentram a fortuna em cada vez menos mãos.
2017 April 4
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