Por Mariana Mazzucato
Tradução e Revisão por membros do Time Linguístico do MZ: Luiza Nora Branagan | Gabriel Bizzotto | Gustavo Canto | Graciela Kunrath Lima
Em 2008, a Rainha Elizabeth II foi à London School of Economics para inaugurar um novo prédio acadêmico. A monarca britânica fez do ato de evitar dizer qualquer coisa controversa em público o trabalho de uma vida, mas desta vez ela tinha uma pergunta para os economistas: Por que não tinham percebido o colapso financeiro se aproximando?
Sua pergunta foi ao coração de dois grandes fracassos da ciência econômica moderna: o quase colapso de algumas das maiores economias do mundo; e a fé em um estruturamento econômico ortodoxo que não forneceu explicações para o que estava acontecendo. A tese de meu novo livro Rethinking Capitalism: Economics and Policy for Inclusive and Sustainable Growth, co-editado juntamente a Michael Jacobs, é de que estes dois fracassos estão intimamente ligados. O insucesso dos decisores políticos em compreender plenamente a dinâmica do sistema capitalista não apenas leva a crises periódicas; também leva aos remédios errados, como a austeridade pró-cíclica que tem apenas aprofundado e prolongado a crise em diversos países.
Oito anos após a crise financeira global, o FMI ainda descreve a recuperação global como “frágil e precária”. Aponta para recuperações modestas experimentadas na maioria dos países desenvolvidos caracterizadas por “fraca produtividade, baixo investimento, e baixa inflação”, que por sua vez refletem “demanda reduzida, expectativas menores de crescimento, e crescimento declinante do produto” (FMI, WEO, Outubro de 2016). De fato, na maior parte das economias avançadas o investimento permanece menor que os níveis pré-crise financeira.
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Se o crescimento futuro está para tomar um rumo diferente, exigirá mais que o mantra usual de se aproveitar das baixas taxas de juros a fim de financiar infraestrutura. Ao invés disso, precisamos repensar os preceitos fundamentais que governam nosso entendimento de como e por que economias capitalistas crescem—tanto em termos da ‘taxa’ quanto da ‘direção’ de mudança. Imprescindível para tal é a melhor compreensão do que impulsiona o investimento privado, e o efeito que o investimento público pode ter—não apenas ‘abrindo espaço’ (crowding-in) para investimentos que empresas podem já ter considerado, mas ativamente estimulando o desejo de se fazer novos investimentos que elas não teriam considerado ainda. É esta capacidade de despertar investimentos públicos arrojados, estratégicos, a qual Keynes chamou por ‘espíritos animais’ dos investidores que é fundamental.
Olhar para a economia por meio da ótica do investimento é de certo instrutivo. A debilidade no investimento explica em parte a persistência de hiatos do produto entre as economias avançadas, mas também a desaceleração na expansão do volume do comércio internacional. Porém a questão chave é, que tipo de investimento é preciso? Seria simplesmente cavar valas e construir pontes e estradas o bastante?
Há duas questões cruciais aqui. A primeira é que têm sido historicamente os investimentos públicos ‘orientados por missões’ que ampliaram as expectativas dos investidores a respeito de campos de crescimento futuro. De fato, em biotecnologia, nanotecnologia e TI, ousados investimentos públicos estratégicos criaram novos panoramas que então abriram espaço para o setor privado. A segunda é que grandes desafios societários do futuro—da mudança climática à crise demográfica afetando boa parte do Ocidente—requerem pensamento visionário no que se refere a futuras possibilidades de crescimento e uma ampla gama de investimentos públicos para fazer com que estas oportunidades surjam. A teoria das ‘Falhas de mercado’ não é adequada para compreender esta abordagem.
Aqueles que advogam a inevitabilidade da estagnação secular não notam ambos estes pontos. A estagnação não é causada por forças determinísticas de uma população em processo de envelhecimento, altas taxas de poupança e de oportunidades tecnológicas esgotadas. Na realidade, é um resultado de investimentos públicos e privados em queda que impediu a emergência de novas oportunidades de investimento. Em outras palavras, é o resultado de escolhas feitas por atores públicos e privados: oportunidades são endógenas ao investimento, e quando há uma crise em ambos, o lado público e o privado, a estagnação se instala.
Vamos olhar para um de cada vez.
Em ambos os lados do Atlântico, empresas públicas estão sentadas em pilhas recordes de dinheiro—por volta de $2 trilhões nos E.U.A. e um valor similar na Europa—as quais elas estão escolhendo segurar ao invés de investir. Paralelamente, ao longo da última década, mais de $3 trilhões foram devolvidos a acionistas sob a forma de recompras, em alguns casos, como Pfizer e Exxon, excedendo suas receitas líquidas durante o período. Isso reflete a extensão a que a tão chamada economia ‘real’ tem se tornado financializada em nome do valor do acionista, onde tem sido mais fácil impulsionar os preços das ações (e com isso a remuneração executiva) por meio de recompras, do que por meio de investimento no futuro da empresa.
Esta falha de liderança corporativa foi acompanhada de uma igual falha de políticas públicas. Após a crise, o debate público focou estreitamente o tamanho dos déficits públicos, em vez de como elevar o crescimento de longo prazo. Mas o tamanho do déficit, ano a ano, importa muito menos que a questão de em que ele é gasto, e como esse dispêndio afeta a razão dívida/PIB do médio ao longo prazo. Muitos dos países da Europa os quais possuem as mais altas razões de dívida/PIB também são aqueles que obtiveram déficits moderados. O problema deles não foi o tamanho de seus déficits, mas sim a lenta taxa de crescimento do PIB. O décit da Itália, por exemplo, tem sido menor que o da Alemanha por uma década. O problema para a Itália, assim como em outros lugares, foi a falta de investimento em áreas como o capital humano e P&D, que incrementam o crescimento de longo prazo.
Na teoria da corrente principal, os ‘espíritos animais’ de Keynes estão assumidos: empresas estão naturalmente inclinadas a investirem, mas farão isso somente se receberem os sinais de incentivo corretos na forma de barreiras sendo removidas e de preços competitivos. Na realidade, entretanto, o setor privado tende a investir somente quando enxerga uma oportunidade de crescimento. Cortar os custos de investimento – por intermédio de benefícios fiscais ou outros mecanismos indiretos – não será eficaz no estímulo do investimento se as empresas não virem oportunidades de crescimento. Historicamente, a geração destas oportunidades tem estado intimimamente ligada a investimentos públicos orientados por missões que têm criado e moldado novos mercados através de investimentos estratégicos diretos: criação de mercados, não reparo de mercados.
No Vale do Silício, por exemplo, os investimentos públicos não se limitaram à solução de problemas de ‘bens públicos’ como os excedentes positivos da pesquisa de base. A envergadura e a profundidade dos investimentos públicos estiveram presentes por toda a cadeia de inovações: pesquisa de base, pesquisa aplicada, e até mesmo fundos de alto risco no estágio inicial para empresas (por meio de organizações como a SBIR) oferecendo o financiamento estratégico paciente não-disponível no mercado privado. Apesar de toda a conversa sobre reforma financeira depois da crise, foi dada pouquíssima atenção à qualidade das finanças. A natureza de longo prazo da inovação, e a extrema incerteza por trás disso, significa que ela requer financiamento paciente, estratratético, de longo prazo, contrariamente a capital de risco em busca de retorno rápido e saída. Mas a ênfase de hoje em cortar os orçamentos públicos e/ou a necessidade de apresentar retornos rápidos desses investimentos coloca o aspecto público em risco.
A ótica do investimento também está ausente do debate a respeito do efeito das novas tecnologias, sobretudo a Inteligência Artificial, sobre os empregos. Os economistas tendem a discutir o ‘viés de habilidade’ da mudança tecnológica—como revoluções tecnológicas deixam para trás trabalhadores inaptos à adaptação—mas desconsideram o ponto chave de que as habilidades sempre foram uma função endógena do investimento. O verdadeiro problema é a falta de investimento público e privado em P&D, na formação de capital humano (habilidades e treinamento) e capital fixo. Já em 1821 David Ricardo preocupou-se com o efeito da mecanização no deslocamento da mão-de-obra. O que era importante então, e deveria refletir nosso pensamento agora, era que os lucros (provenientes da mecanização) fossem reinvestidos na produção, significando que, nos tempos de Ricardo, enquanto alguns empregos desapareceram, outros foram criados. Nosso foco hoje deveria também ser esse tipo de reinvestimento, o qual pode ainda ajudar a resolver o problema da desigualdade.
Isto nos leva a um ponto fundamental: O que as empresas precisam, hoje, não é tão somente uma nova abordagem ao investimento, mas um “New Deal” em termos de reinvestimento: um novo acordo entre os setores público e privado capaz de levar a um crescimento mais inclusivo. Isto deve fazer parte de uma abordagem mais ampla à moldagem dos mercados para assegurar que o retorno social reflitam os investimentos públicos que têm sido realizados, incluindo, por exemplo, reformas no patenteamento (os mantendo estreitos e a jusante) e condições sob as quais lucros gerados de inovações patrocinadas pelo setor público sejam reinvestidos de volta em inovação e não acumulados ou utilizados principalmente em recompras de ações. De fato, foi precisamente este tipo de formação de acordos saudáveis que levou a AT&T a pedidos de criação da Bell Labs em troca de seu status de monopolista.
A pergunta de 2008 da Rainha tocou uma ferida. Oito anos depois, é pertinente questionar o que realmente aprendemos, dada a persistência de problemas de investimento público e privado. Devemos estar dispostos a questionar pressupostos centrais de como economias crescem e do que inibe o crescimento. Significa compreender por que a desigualdade precisa se tornar uma preocupação central da política econômica, por razões econômicas. Significa reavaliar o papel dos atores públicos e privados na geração do crescimento; o que impulsiona o investimento; e até que ponto a direção do crescimento pode ser moldada com o objetivo de beneficiar a sociedade. Significa repensar o papel do governo, entender como um Estado empreendedor pode ativamente estimular novos investimentos do setor privado. Significa trazer de volta a noção de valor público para a ciência econômica—além da maneira estreita que os bens públicos têm sido usados para criar uma pequena fatia de atividades para o setor público investir. Significa, em suma, repensar o capitalismo.
Originalmente publicado no Institute for New Economic Thinking.
2017 March 25
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