Fairness

O mito da prosperidade gerada pelo livre mercado foi dissipado. É hora de um novo New Deal.

Precisamos de uma proposta visionária que ofereça rumo e orientação agora.

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Por Thomas Fricke

Traduzido por: Paulo Roberto Soares

O encantamento fez sua mágica por três décadas. Por três décadas a humanidade acreditou nas bênçãos que a globalização traria em seu rastro. Acreditou-se que, no final, todos os envolvidos se beneficiariam quando removêssemos as regulamentações, quando as corporações estendessem sua presença a todas as partes do mundo, quando os bancos tivessem muito dinheiro, quando os paraísos fiscais existissem e, é claro, quando o governo saísse da nossa cola. O que prevaleceu foi a primazia da economia, seja em Herne, Nova Iorque ou Shenyang. Era simples assim.

Mas os tempos mudaram. Já tendo sido considerado como o Supremo Templo do dogma do mercado, o poderoso mundo financeiro ficou à beira do colapso dez anos atrás, tendo que ser resgatado – surpresa – pelo resto de nós.

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O que também colapsou foi o mito de que mercados livres podem se autorregular. Uma grande agitação surgiu, nascida de medos difusos, conhecimento parcial e uma justificável rejeição ao que deu errado com a globalização. Isso gerou uma era de oportunidades para vigaristas e autoritários.

Vemos agora um vazio que não pode ser preenchido pela tentativa de remediar apenas os detalhes. O que o mundo precisa, em vez disso, é um novo leitmotiv, um novo conceito orientador. E precisamos disso antes que populistas de todo tipo preenchem esse vazio incitando as pessoas umas contra as outras. O tempo é essencial.

O tremendo poder e impacto inerente a tal mito pode ser exemplificado com a flexibilização das regras bancárias feita por Ronald Reagan em 1982. De repente, os Chicago Boys foram considerados a última novidade. Oferta e demanda, acreditavam eles, era a chave para resolver tudo e qualquer coisa – seja uma escassez de parafusos, demanda por empréstimos ou o desejo de se casar. Rapidamente os apóstolos do livre mercado governavam em toda a parte, até na França. Poderosas autoridades, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) pregavam o Consenso de Washington; i.e. estrita orientação pelo mercado como a nova religião mundial.

Por mais que um quarto de século não havia dúvida de que isso era o certo: o mercado triunfa sobre o estado. O que fazer com empresas estatais? Privatizá-las. Sua aposentadoria? Autoprovisão por meio do mercado. Seguro desemprego? Cortes. Abertura de fronteiras para a Europa Oriental? Com certeza. E a próxima rodada de livre comércio? É claro. E assim por diante. No final, até mesmo os políticos de esquerda contribuíram para a redução de impostos e para fazer os fundos de investimento felizes.

Naquela época, gerou-se muita prosperidade ao redor do mundo. Os asiáticos foram capazes de vender seus produtos baratos em toda parte. O ocidente beneficiou-se das roupas baratas do Vietnã e dos brinquedos da China. A Alemanha experimentou um milagre de exportações por todos precisavam de máquinas made in Germany.

E ainda assim, algo parece ter dado errado. Há uma insatisfação. Há esse ressentimento. Há essa negatividade.

A razão porque a desigualdade no mundo caiu deve-se ao fato de que muitos chineses e indianos tiveram um aumento em sua renda, conforme demonstrado pelo ex-economista do Banco Mundial, Branko Milanović.

Os resultados em outros lugares são menos evidentes. Nem os norte-americanos, nem os britânicos e alemães experimentaram rápido crescimento em suas economias quando comparadas às décadas anteriores a 1982. Nem houve menos crises. Ao contrário, o FMI identificou mais de 120 crises bancárias e 200 crises da moeda desde então – um crescimento dramático.

É verdade que as empresas lucram mais hoje em dia, mas elas investem proporcionalmente menos em máquinas e empregos do que antes. Isso ocorre em parte porque em uma economia global financeirizada é mais lucrativo especular. Em parte, porque é mais chique fazer uma montanha de dinheiro rapidamente do que pensar no longo prazo. Para resumir, vimos US$ 200 trilhões em dívida gerada no sistema antigo.

Mais importante, contudo, a maior promessa permaneceu sem ser cumprida: metade dos norte-americanos, hoje, testemunham estagnação ou mesmo uma redução significativa em sua renda desde 1989. Na Alemanha, há 40% que são menos favorecidos em termos reais e metade dos alemães não possuem praticamente nenhuma riqueza. E perto de um quarto dos alemães trabalham por baixos salários. Essa enorme desigualdade entre ricos e pobres existia no século XIX, do mesmo modo.

Dependendo do cálculo, a prosperidade não chegou para um número entre um terço e metade da população. Os norte-americanos e os britânicos foram os primeiros a serem sacudidos por essa situação, com a vitória de Trump e do Brexit. Ironicamente, foram esses os países que mais alegremente seguiram o mantra do livre mercado e que agora enfrentam uma indústria 0.0 e divisão social. Enquanto isso, os especialistas do FMI têm de dar o braço a torcer que o mercado de capital provavelmente não é tão eficiente assim. E a uma vez liberal-ortodoxa OCDE passou a só definir o crescimento como bom se ele beneficiar os pobres.

O mito do passado já ficou no passado. O que está faltando é um novo e poderoso conceito.

Os economistas começaram a entender o que deu errado no passado recente. Kenneth Rogoff e Thomas Piketty avaliaram um enorme conjunto de dado relacionados a crises financeiras e de ativos. Angus Deaton, agraciado com um Nobel, revela em um novo estudo que a expectativa de vida dos homens brancos nos Estados Unidos está em declínio nas exatas mesmas áreas em que as empresas locais foram deslocadas. Robert Shiller e George Akerlof encontraram razões essenciais que explicam porque bolhas financeiras surgem sistematicamente no mercado.

Há uma crescente suspeita de que é perigoso permitir que as economias sejam controladas por magos financeiros que são incapazes de prever a própria falência, que seguem qualquer novidade, que em tempos de crise direcionam os governos para eles.

Poderia isso se tornar o núcleo de um novo mantra – que nos impeça de aderir a mágicas soluções financeiras? Possivelmente. O cálculo do bônus para os gestores não deveria mais ser baseado nos preços das ações, diz Joseph Stiglitz, economista ganhador de um prêmio Nobel. Os investidores devem ser recompensados quando investem no longo prazo, diz Andrew Haldane, economista chefe do Banco da Inglaterra. E gestores devem devolver os bônus quando se identificar que eles bagunçaram as coisas. Em outras palavras, todos os incentivos devem ser para investimento em recursos humanos e máquinas.

Muitas razões apontam para a hipótese de que teríamos menos dívidas se, por exemplo, os bancos fossem incentivados a providenciar mais recursos – especialmente quando se trata de transações puramente financeiras assim como em momentos de distorção nos empréstimos. O historiador da economia Moritz Schularick, residente em Bonn, descobriu que no início de quase toda crise financeira houve um excesso de empréstimos para a aquisição de imóveis. Esse problema poderia ser resolvido se os empréstimos para a aquisição de uma casa fossem limitados, digamos, a valores ao redor de 50%.

E quanto às armadilhas do livre comércio? De acordo com o professor de Harvard, Dani Rodrik, os acordos de comércio no futuro terão de possuir cláusulas que permitam restrições à importação, se necessário. Esse seria o caso, por exemplo, quando o custo-benefício é atribuído apenas em relação ao desrespeito aos direitos humanos nos países de origem, mas não quando a produtividade é menor. Quando é previsível que a competição de baixo-custo ameaça devastar segmentos inteiros da indústria. Desse modo, muito mais do livre comércio poderia ser mantido do que por meio de um protecionismo trumpiano, que vem acompanhado de um alto risco de agravamento.

Além disso, seria aconselhável esclarecer que temas, em um mundo ideal, realmente demandam regulamentação em uma escala global – proteção ao clima seria um exemplo. E em quais casos, para além de uma dicotomia crua de bem versus mal, a ação governamental é realmente útil. Especialistas atualmente podem determinar com muito mais acuidade quais investimentos valem a pena e quais não valem. E quais gastos em ferrovias, escolas ou pesquisa trarão ao ministro da fazenda um retorno maior sobre o investimento inicial, pois eles dão início ao crescimento e geram aumento na arrecadação de impostos. Esse tipo de projeto poderia, sob supervisão estrita, ser isento de regras que limitam os déficits fiscais. Essa seria uma aproximação mais de longo prazo do que formalmente lutar para equilibrar o orçamento a cada ano. A pesquisadora sobre o tema da inovação, Mariana Mazzucato, demonstrou quão fortemente as agências governamentais apoiaram o desenvolvimento de tecnologias sem as quais dispositivos como o iPhone não poderiam existir: uma razão para começar a fazer dessas tediosas autoridades temas mais atraentes para pesquisadores de ponta.

Algumas dessas ideias já amadureceram, outras ainda estão em fase embrionária. O que precisamos encontrar é uma fórmula unificadora para definir o novo paradigma: o leitmotiv.

Encontrá-la é um tremendo desafio. Ela não pode ser tão simples quanto a fórmula o-mercado-opera-milagres. Ainda assim, deve ser simples o suficiente para ser plausível a todos. A solução provavelmente está no meio termo: em uma globalização mais bem controlada, esclarecida, que se possa implementar sem a compulsão para padronizar tudo ao redor do mundo. O que é necessário é um novo equilíbrio de liberdades com salvaguardas embutidas contra os excessos. E um ambiente em que os políticos possam novamente dar forma e decidir sobre políticas em vez de resgatar bancos ou estados sem ter muita escolha quanto a isso.

Isso requer uma economia que é mais dinâmica e inovadora do que nesses anos irreais – pela mesma razão que mais dinheiro irá fluir para projetos reais e que uma renda maior aumentará as vendas. Há mais ou menos 80 anos um mito já teve de ser substituído no meio de um crash e de uma tentativa falha de globalização. Isso levou populistas ao poder, nutriu o nacionalismo e terminou em uma guerra comercial que levou a uma guerra mundial.

Naquele tempo, foi o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt que cunhou o slogan: o fenomenal New Deal [novo acordo], que acolheu os perdedores da crise econômica, colocou limites ao mundo financeiro, garantiu investimentos no futuro e demonstrou controle político: um modelo para o mundo pós-guerra, durante o qual quase todo mundo se beneficiou por décadas.

Já passou da hora de aprender as lições dele.

Publicado originalmente no Institute for New Economic Thinking.


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