Economics

Economistas devem parar de defender a pseudo-ciência de Milton Friedman

Sobre a natureza pseudo-científica de Friedman e o uso da metodologia “como se”

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Por George H. Blackford

Traduzido por Vernon Dryfountain

“Considerando o problema de prever as tacadas feitas por um jogador de bilhar profissional. Parece bem razoável que previsões ótimas seriam geradas pela hipótese de que o jogador de bilhar deu suas tacadas como se soubesse as fórmulas matemáticas complicadas que dariam as indicações ideais de trajetória, poderia estimar com precisão a olho nu os ângulos, etc., descrevendo a localização das bolas, poderia fazer cálculos a partir das fórmulas instantaneamente, e poderia, em seguida, fazer as bolas viajarem na direção indicada pelas fórmulas. Nossa confiança nessa hipótese não se baseia na crença de que o jogador de bilhar, mesmo os peritos, podem passar ou passam pelo processo descrito; na verdade isso deriva da crença de que, a menos que de uma forma ou de outra eles foram capazes de atingir essencialmente o mesmo resultado, eles não seriam de fato jogadores de bilhar profissional. ”

Milton Friedman, Ensaio sobre Economia Positiva de 1953 (p. 21)

Idos de 1967, quando li pela primeira vez o ensaio de Friedman em “A Metodologia da Economia Positiva”, em que a analogia do jogador de bilhar acima pode ser encontrada. Eu estava pasmo. Dizer que um jogador de bilhar especialista desempenha “como se soubesse. . . complicadas fórmulas matemáticas” pode ​​ser uma analogia interessante, mas não nos diz nada sobre os jogadores de bilhar. Era óbvio para mim naquele momento que o argumento de Friedman é circular: Como sabemos que jogadores experientes jogam desta forma? Se eles não jogarem desta forma eles não seriam jogadores especialistas. E eu não estava nada impressionado com o fato de que a lógica de Friedman está firmemente enraizada em sua “crença” de que isso faz sentido. [1]

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Friedman coloca esta analogia no meio de um argumento intrincado, pelo qual ele tenta mostrar que uma teoria científica (hipótese ou fórmula) não pode ser testada por meio de testes do realismo de seus pressupostos. Tudo o que importa é a precisão das previsões de uma teoria, não se seus pressupostos são verdadeiros ou não. Ele tenta demonstrar isso examinando “a lei da queda dos corpos” onde ele nos diz que “é uma hipótese aceita que a aceleração de um corpo que cai no vácuo é uma constante g, ou cerca de 10 metros por segundo por segundo na Terra . . . . “(P. 18) De acordo com Friedman, não tem sentido discutir esta lei. A única coisa que importa é a precisão das previsões obtidas se assumirmos que corpos caem como se eles estivessem caindo no vácuo. É o papel do cientista “para especificar as circunstâncias em que a fórmula funciona, ou, mais precisamente, a dimensão geral do erro em suas previsões nas mais diversas circunstâncias.” Mesmo que exista uma teoria mais geral que possa dar previsões mais precisas “, nem sempre compensa usar a teoria mais geral, porque a precisão extra que ela produz pode não justificar o custo extra.” [Friedman (pp. 8.)

Parecia bastante claro para mim em 1967, e ainda parece bastante claro para mim hoje, que é da competência da engenharia, e não da ciência, catalogar as circunstâncias em que a teoria funciona e não funciona e estimar os erros nas previsões das teorias, juntamente com o custo envolvido em usar uma abordagem ou outra. O propósito da ciência, como eu via na época, e ainda vejo hoje, é entender e explicar a matéria de uma disciplina científica. Isso não pode ser feito simplesmente catalogando quando uma teoria funciona e a magnitude dos erros quando isso não acontece, ainda assim a visão de engenheiro de Friedman em relação a ciência tem se mantido no cerne da economia convencional por mais de sessenta anos. [2]

Há, naturalmente, uma série de economistas que rejeitam abertamente a metodologia de equilíbrio estático descritiva dos economistas encastelados na metodologia “Como se” de Friedman, mas eles parecem ser relativamente poucos e têm relativamente pouca influência dentro da disciplina. Ao mesmo tempo, há muitos economistas tradicionais que rejeitam a metodologia de Friedman quando confrontados com ela diretamente, mas são compelidos, pela natureza da sua formação e a necessidade de acumular publicações em revistas econômicas dominantes, a respeitar as regras que estão arraigadas à cultura da disciplina. O resultado se provou desastroso. O paradigma fundamental da economia que surgiu a partir desta metodologia não só não conseguiu antecipar a crise de 2008 e seus efeitos devastadores, mas também revelou-se incapaz de produzir um consenso dentro da disciplina quanto à natureza e a causa da estagnação econômica em que nos encontramos hoje.

Na tentativa de entender por que isso acontece dessa forma, é instrutivo examinar a natureza dos argumentos de Friedman dentro do contexto em que ele os formulou, especialmente o seu argumento de que a verdade de premissas de uma teoria é irrelevante desde que a imprecisão das previsões dessa teoria seja catalogada e nós ajamos como se essas premissas fossem verdadeiras. O lugar para começar é com a alusão à história da lei da queda dos corpos que Friedman faz, e depois ignora.

A lei da queda dos corpos

Nossa compreensão desta “lei” não aparece simplesmente do nada. Ela veio a partir do trabalho de Galileu na tentativa de explicar as anomalias na teoria do movimento de Aristóteles. De acordo com Aristóteles, uma força constante aplicada a um objecto vai fazer com que ele se mova a uma velocidade constante, quanto maior for a força, maior a velocidade. Ele também assumiu que corpos mais pesados ​​caem com uma velocidade maior do que corpos mais leves. [Galileo (p. 61)] Isso parece fazer perfeito sentido ao tentar se explicar a maneira como uma pena cai em comparação com uma pedra, mas Galileu observou que as pedras mais pesadas não caem em velocidades maiores do que as pedras mais leves e que quanto mais tempo uma pedra cai, maior torna-se sua velocidade(até um ponto), mesmo que a força da gravidade atuando sobre elas, aparentemente, não mude.

Como resultado de sua análise incrivelmente complexa e minuciosa da queda dos corpos, Galileu concluiu que as diferenças nos comportamentos que observou poderiam ser compreendidas e explicadas se ele rejeitasse as suposições de Aristóteles e, ao invés disso, assumisse: 1) a existência da inércia(ou seja, que uma corpo em repouso tende a permanecer em repouso e um corpo em movimento tende a permanecer em movimento) e 2) que, quando uma força constante é aplicada a um objeto isso faz com que o objeto acelere a uma taxa constante, em vez de se mover a uma velocidade constante. Ele também concluiu, guiado por observações, medições, lógica e razão que, na ausência de resistência externa causada pelo meio através do qual um objeto caiu, isto é, no vácuo, todos os corpos em queda acelerariam no mesmo ritmo constante, independentemente da sua forma, densidade, peso, ou a distância através da qual eles caíram. [Galileo (pp. 8.)]

Estes pressupostos eram o suficiente para chegar ao entendimento de Galileu sobre lei da queda dos corpos, e foi assim até que Newton integrou as observações de Copérnico, Kepler e Galileu para chegar às três leis do movimento e à teoria da gravitação universal, surgindo assim o entendimento newtoniano desta lei. Este entendimento diferia de Galileu no que Galileu assumiu que a taxa de aceleração de um corpo caindo no vácuo seria constante ao longo de sua queda. Esta hipótese é logicamente inconsistente com a segunda lei do movimento e a teoria da gravitação universal de Newton.

A segunda lei de Newton assume que a força é igual à massa vezes aceleração. Sua teoria da gravidade assume que há uma razão inversa entre a força da gravidade e o quadrado da distância entre os centros de gravidade da Terra e um corpo em queda. Estas duas premissas, no seu conjunto, implicam que a taxa de aceleração deve aumentar à medida que o corpo e a terra se aproximam um ao outro. [Newton (p. 398, 83)] Assim, para tornar a lei da queda dos corpos de Galileu logicamente consistente com a integração de Newton, não só a validade dessa lei deve assumir um vácuo, mas também assumir que a taxa de aceleração aumenta conforme o corpo e a terra se aproximam um do outro de acordo com a teoria da gravidade e da segunda lei do movimento de Newton.

Neste ponto, deve pelo menos ser evidente que a afirmação de Friedman de que a lei da queda dos corpos “é aceita porque ela funciona” não é nem de longe tão clara como Friedman tenta fazer parecer. O próprio Friedman expôs sobre apenas algumas das inúmeras situações em que esta lei, como ele mesmo diz, não funciona, e, de fato, há relativamente poucas aplicações práticas para a declaração de Friedman da presente lei que não seja como uma base sobre a qual estudantes de física do ensino médio podem construir experimentos de laboratório. O fato é que Galileu aceitou sua compreensão dessa lei, e não simplesmente porque ela funciona, mas porque o seu entendimento dessa lei foi inferido segundo pressupostos consagrados na cosmologia em que Galileo tentava compreender e explicar o universo físico. Da mesma forma, Newton aceitou a sua versão da lei de Galileu, e não simplesmente porque ela funciona, mas porque o seu entendimento dessa lei está implícito pelos pressupostos consagrados na cosmologia em que Newton tentou compreender e explicar o universo físico.

A cosmologia de Newton tornou possível compreender e explicar as observações astronômicas com um grau de precisão que era até então impossível. Como resultado, depois de Newton, qualquer outra interpretação da lei de Galileu seria vista como puro nonsense por qualquer pessoa instruída que não sejam os que desejavam se agarrar desesperadamente à cosmologia implícita na visão de Ptolomeu do universo e que não estavam dispostos ou eram incapazes, por qualquer razão, a aceitar uma visão heliocêntrica da realidade.

É essencial entender, no entanto, que o entendimento newtoniano desta lei não foi aceito simplesmente porque funcionou da maneira que Friedman descreve como a lei de Galileu funcionaria. O entendimento newtoniano desta lei foi aceito porque nem a própria lei, nem qualquer dos pressupostos consagrados na cosmologia de Newton, que eram necessários para obter a compreensão newtoniana desta lei, eram comprovadamente falsos, no sentido de serem contrariados por observações empíricas. Se pudesse ter sido demonstrado que, qualquer um dos pressupostos de que a derivação do entendimento newtoniano desta lei dependem, fossem comprovadamente falsos, o entendimento newtoniano desta lei certamente não seria aceito, pelo menos não por físicos. Que isto é dessa forma fica claro pela rejeição do entendimento newtoniano desta lei por físicos, depois que se descobriu que o pressuposto da independência do espaço e do tempo de Newton foi contrariado por observações empíricas e substituído pelo pressuposto de um continuum espaço-tempo incorporado na teoria da relatividade de Einstein. A teoria da relatividade de Einstein levou a um entendimento completamente diferente da lei de Galileu. [3]

Assim, quando examinamos a história da lei da queda dos corpos à que Friedman faz alusão e, em seguida ignora, descobrimos que todos os grandes avanços nas ciências físicas que surgiram desde o tempo de Galileu foram realizadas como resultado de 1) Galileo rejeitando os pressupostos irrealistas de Aristóteles, 2) Newton rejeitando os pressupostos irrealistas de Galileo, e 3) Einstein rejeitando os pressupostos irrealistas de Newton, e, ainda, Friedman argumenta:

“Na medida em que uma teoria pode ter ‘pressupostos’, e na medida em que o seu ‘realismo’ pode ​​ser julgado de forma independente da validade das previsões, a relação entre o significado de uma teoria e o ‘realismo’ de seus ‘pressupostos’ é praticamente o oposto de uma teoria proposta sob o escrutínio de críticas. hipóteses realmente importantes e significativas podem ter “pressupostos” que são representações descritivas grosseiramente imprecisas da realidade, e, em geral, quanto mais significativa a teoria, mais irrealistas os pressupostos (neste sentido). (P. 14) ”

A irrelevância da Lógica na Metodologia de Friedman

O grau em que os argumentos de Friedman são totalmente alheios ao papel central desempenhado pelos pressupostos na investigação científica, é indicado pelo delineamento desse papel, assim como ele os vê:

“Da forma como vejo, os “pressupostos de uma teoria” desempenham três papéis positivos diferentes, porém relacionados: (a) muitas vezes são um modo econômico de descrição ou apresentação de uma teoria; (B) que, por vezes, facilitam um teste indireto da hipótese por suas implicações; e C) . . . eles às vezes são um meio conveniente de especificar as condições em que a teoria está prevista para ser válida.” (P. 23)

Não há nem mesmo uma sugestão de reconhecimento nesta passagem, do fato de que uma teoria científica é, na verdade, a personificação de seus pressupostos. Não pode haver nenhuma teoria sem pressupostos já que são os pressupostos contidos em uma teoria que fornecem, por meio da razão e da lógica, as implicações pelas quais o objeto de uma disciplina científica pode ser compreendido e explicado. Estes mesmos pressupostos fornecem, mais uma vez, por meio da razão e da lógica, as previsões que podem ser comparadas com a evidência empírica para testar a validade de uma teoria. São os pressupostos de uma teoria que estão no cerne dos argumentos lógicos que dão sentido às explicações dessa teoria, e na medida em esses pressupostos são falsos, as explicações que a teoria fornece não tem sentido, não importando quão logicamente poderosas ou matematicamente sofisticadas essas explicações possam parecer ser.

É a forma de um argumento lógico que o torna válido, independentemente da verdade de seus pressupostos. O argumento a) todos os homens com olhos azuis são infalíveis, b) Eu tenho olhos azuis, portanto, c) Eu sou infalível é logicamente válido mesmo que, à luz da razão, este não seja o tipo de argumento que minha esposa iria achar convincente. E mesmo se eu fosse infalível este argumento ainda não teria nenhum significado substantivo, apesar de sua validade lógica e os meus olhos azuis, porque se baseia na comprovadamente falsa premissa de que todos os homens com olhos azuis são infalíveis. É intuitivamente óbvio que um argumento lógico só tem significado substantivo se as suas premissas são verdadeiras, mesmo para aqueles que não têm um entendimento formal da lógica. Como resultado, alguns cientistas estariam dispostos a seguir a metodologia de Friedman e tentar catalogar quando a teoria da infalibilidade dos olhos azuis “funciona” e quando não. E, no entanto, este é o tipo de raciocínio em que economistas convencionais se perdem quando ignoram o realismo de seus pressupostos. [4]

Apesar do simples fato de que os entendimentos científicos e explicações surgem através da lógica e da razão a partir das implicações dos pressupostos (ou seja, premissas) em que se baseiam os argumentos científicos, e que um argumento lógico só tem significado substantivo à medida em que as premissas em que ele é baseado são verdadeiras, Friedman argumenta que a relevância de uma teoria não pode ser julgada pelo realismo dos seus pressupostos, desde que ele também argumenta que é “como se” seus pressupostos fossem verdadeiros. Fora o fato de que este argumento não faz absolutamente nenhum sentido como um fundamento para a investigação científica, ele levanta a questão: por que os economistas convencionais são levados a sério se as suas teorias e, consequentemente, os seus argumentos são baseados em pressupostos falsos? Esta questão é particularmente relevante no que diz respeito às políticas recomendadas pelo economista convencional, quando o realismo dos pressupostos em que os argumentos que justificam as suas recomendações são levianamente ignorados.

Hoje nos encontramos no meio de uma catástrofe econômica, política e social mundial, que se seguiu na esteira da pior crise financeira desde a década de 1930. Esta crise, por sua vez, foi o resultado direto das políticas de desregulamentação financeiras implementadas ao longo dos últimos quarenta anos, a mando dos economistas ortodoxos, políticas essas que economistas justificavam com base em uma teoria econômica dominante que assume que bolhas especulativas não podem existir, apesar das inúmeras catástrofes econômicas, políticas e sociais que se seguiram na esteira de bolhas especulativas durante todo o curso da história. [5] E, no entanto, os principais economistas estão perdidos na tentativa de chegar a um consenso sobre o que deu errado. Tal é o poder da metodologia “como se” de Friedman no âmbito da disciplina de economia.

A Natureza Ideológica da Logica de Friedman

Ainda mais problemática é a tentativa de Friedman para dar substância à sua visão de engenharia em relação a ciência, argumentando que depois de todas as situações em que hipóteses funcionam e não funcionam forem catalogadas dentro de uma disciplina, e após todas as evidências, no que diz respeito à falta de realismo dos pressupostos contidos nestas hipóteses terem sido ignoradas, o cientista deve olhar para “a tradição e o folclore de uma ciência, revelada na tenacidade com que as hipóteses são defendidas” para encontrar a verdade. Em seguida, ele argumenta que uma vez que a “capacidade de julgar. . . é algo que não pode ser ensinado [e] pode ser aprendido. . . apenas pela experiência e exposição na atmosfera científica ‘certa'”, devemos olhar para os sábios homens e mulheres da disciplina que foram expostos “a atmosfera científica ‘certa'” para encontrar onde “a linha fina é traçada para distinguir o ‘maluco’ do cientista”. [Friedman (pp. 22-3, 25)]

Isto pode parecer fazer sentido para um engenheiro que deseje aprender o atual estado da arte da construção de pontes, ou para um ideólogo que deseja fornecer uma base lógica para os seus delírios mais estimados, independentemente do raciocínio circular e das falsas premissas em que essa lógica se sustenta. Mas isso não é ciência! Se os físicos tivessem utilizado esta abordagem em relação a ciência durante todo o curso da história, com base em “folclore” e “a tenacidade com que as hipóteses são defendidas” e sobre aqueles que tenham sido expostos a “atmosfera científica ‘certa'”, eles teriam ignorado o irrealismo dos pressupostos, e nós ainda estaríamos vivendo em um universo Ptolomaico catalogando as situações em que os pressupostos de Aristóteles funcionam ou não funcionam.

Friedman está bastante equivocado em sua afirmação de que há uma “linha fina. . . que distingue o ‘maluco’ do cientista “. Essa linha não é fina. É a linha clara e brilhante que existe entre aqueles que aceitam argumentos baseados no raciocínio circular e falsas premissas como razoáveis, e aqueles que não o fazem. Isto deveria ser óbvio, mas há economistas que ocupam cargos efetivos em universidades de prestígio e posições de responsabilidade em agências governamentais e instituições internacionais que aceitam o absurdo de Friedman como um evangelho. Eles se iludem ao acreditar que, com base em sua fé neste evangelho eles estão entre os poucos privilegiados capazes de desenhar a linha que “distingue o ‘maluco’ do cientista.” Eles também não tem a menor ideia sobre o fato de que eles não estão no lado da linha que eles acreditam estar. Para piorar a situação, a grande maioria dos economistas parece assumir que: uma vez que muitos outros aceitam este tipo de absurdo, isso deve, de alguma forma, fazer sentido, e relativamente poucos argumentam contra isso. Além disso, não parecem perceber a extensão em que este tipo de raciocínio pseudo-científico permeia a disciplina de economia ou compreender o mal que ele faz. [Blackford (2016a; 2016b)]

Como a Metodologia de Friedman foi forjada

Como consequência da centralidade da compreensão de Friedman sobre a ciência no âmbito da disciplina de economia, a disciplina foi dominada por uma visão século XIX, walrasiana, de livre mercado, ideológica da realidade que, em sua essência, consiste em um paradigma logicamente consistente e matematicamente elegante do comportamento do mercado, que descreve como um sistema ideal da interação humana em uma sociedade de livre mercado hipotético deveria funcionar, bem como os pré-requisitos para tal sistema funcionar, mas que não faz o menor contato com a realidade. Um paradigma em que os pressupostos de que dependem a sua consistência lógica são: os mais importantes a) é que nenhum agente econômico tem o poder de influenciar diretamente os preços de mercado, b) todos os participantes do mercado têm informação perfeita quanto à determinação dos preços de mercado, c) que não existem custos externos ou benefícios associados à produção ou consumo de bens, e d) que as pessoas se comportam racionalmente, de acordo com a definição do termo “racional” dada por economistas. Porém esses pressupostos são simplesmente irrealistas e refutados pelas evidências empíricas, mais ainda, são, de fato, impossíveis de alcançar no mundo real. [Blackford (2013)]

Seria de se admirar que esse paradigma que ignora a relevância do papel essencial da ação cooperativa através de um governo democrático para se “estabelecer Justiça, assegurar a tranqüilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e fixar as bênçãos da liberdade para nós mesmos e para nossa posteridade”, apesar do fato de que a natureza do comportamento econômico é criticamente dependente do grau em que o governo é capaz de realizar estas funções vitais, e na medida em que o governo não consegue realizar estas funções, um sistema econômico que funcione de forma eficaz não só é impossível , mas todo o conceito de eficiência econômica [Heyne] que os economistas têm em tão alta estima, é de fato sem sentido? [6]

Seria de se admirar que os pressupostos em que este paradigma se baseia forneceu a base para o economista convencional se iludir e acreditar em um mundo em que os mercados são eficientes; expectativas são racionais; não há necessidade de regular os fluxos de capitais internacionais; bolhas especulativas são um produto da imaginação; o sistema econômico se ajusta automaticamente para alcançar o pleno emprego; fraude não é um problema, dada a eficácia da disciplina de mercado; fatores de produção recebem o valor de seus produtos marginais; monopólios, monopsônios, e oligopólios são irrelevantes assim como a concentração crescente de renda e o aumento da dívida em relação à renda; aumento da propensão a poupar aumenta o crescimento econômico em benefício de todos; déficits comerciais são irrelevantes; e em que as instituições financeiras são totalmente capazes de se regular para o bem de toda a humanidade devido ao sublime interesse próprio dos banqueiros? [Blackford (2014, Ch 1;. 2016a; 2016b)]

Seria de se admirar que os modelos econômicos, criados por economistas na esteira da analogia do jogador de bilhar de Friedman, terem ignorado a relação de longo prazo entre o consumo e demanda efetiva, produção e emprego examinada por Keynes na Teoria Geral do Emprego, do Juro, e do Dinheiro a ponto que as implicações lógicas de modelos econômicos tradicionais têm sido usadas ​​para justificar a desregulamentação dos sistemas financeiros nacionais e internacionais, a redução dos impostos sobre os ricos e o aumento dos impostos sobre os não tão ricos, eliminando leis de usura, promovendo a adoção de previdência privada, destruindo sindicatos, convertendo segurança social a partir de um pay-as-you-go(princípio da repartição) em um sistema de pré-pagamento parcial, opondo-se ao aumento do salário mínimo e muitas outras políticas que só fazem sentido dentro de um paradigma que não só ignora o papel essencial do governo em prover o bem comum, mas também ignora a relação de longo prazo entre o consumo e a demanda efetiva, bem como simplesmente supõe que aumentar a poupança aumenta o crescimento econômico, apesar do absurdo desta suposição? [Blackford (2014, cap 3;. 2016a; 2016b)]

O resultado final dessas políticas tem sido um aumento dramático no nosso déficit em conta corrente, juntamente com um aumento igualmente dramático na concentração de renda no topo da distribuição de renda. Este, por sua vez, levou a uma situação em que a poupança no setor externo aumentou drasticamente (por meio de nosso crescente déficit em conta corrente) e também no topo da distribuição de renda no setor privado (por meio da maior propensão a poupar na parte superior da distribuição de rendimentos do que na parte inferior). Este aumento da poupança no setor externo e no topo da distribuição de renda no setor privado foi parcialmente compensado pela poupança negativa no setor público e na parte inferior da distribuição de renda no setor privado(Trabalhadores e Pequenos Empresários <<NDT>>). Também tem sido acompanhado por um aumento dramático no investimento em consequência das bolhas especulativas no mercado imobiliário comercial na década de 1980, nos mercados de ações de tecnologia na década de 1990, e no mercado imobiliário na década de 2000. [Blackford (2014, cap. 1 e cap. 3)]

Para o observador casual, pode parecer que, como resultado das políticas apoiadas por economistas do mainstream nos últimos cinquenta anos, o nosso sistema econômico se transformou de tal maneira que, dados os déficits em conta corrente resultantes e a concentração de renda no topo, o mercados de bens de consumo de massa nos Estados Unidos têm sido minados a tal ponto que o sistema econômico já não pode alcançar o produto potencial e o emprego com o atual estado da tecnologia de produção em massa, na ausência de um aumento contínuo da dívida em relação à renda. Também parece que é a insustentabilidade de um aumento contínuo da dívida do setor privado em relação ao rendimento que por fim levou à crise de 2008. E parece que, dada a distribuição de renda e do estado da tecnologia de produção em massa, a incapacidade de ou a) continuamente reduzir o déficit comercial, ou b) aumentar continuamente a dívida em relação ao rendimento através de poupança negativa na parte inferior da renda distribuição, ou c) aumentar continuamente a dívida em relação ao rendimento no setor público, ou d) continuamente criar bolhas especulativas, por fim levou à uma expectativa de longo prazo diminuída no que diz respeito ao consumo, que é a causa primária da estagnação econômica que temos vivido desde 2007 . [Blackford (2014, cap 1, cap 3, cap 12;… 2016a; 2016b)]

E, no entanto, apesar das realizações admiráveis na teoria econômica que foram alcançadas desde a publicação do ensaio de Friedman em “A Metodologia da Economia positiva” que tantos economistas tem em tão alta estima, o paradigma fundamental da economia que surgiu a partir dessas realizações é incapaz de fornecer um consenso no âmbito da disciplina de economia quanto à natureza e a causa da estagnação econômica em que nos encontramos hoje. Para piorar a situação, o tipo de explicação desta estagnação dada acima não pode sequer ser examinado no contexto deste paradigma fundamental e muito menos compreendido dentro deste contexto, pois os efeitos da acumulação da dívida ou das mudanças na distribuição de renda são considerados irrelevantes neste paradigma. [Blackford (2014, FN4)]

Os economistas “como se” convencionais estão tão encantados com analogia do jogador de bilhar de Friedman que é praticamente impossível para eles sequer imaginar a possibilidade de que a falta de realismo em suas premissas, promovida por um livre-mercado, de viés ideológico, é a razão para a sua incapacidade de chegar a um consenso no que diz respeito à natureza e a causa da catástrofe econômica em que estamos hoje. Este é o legado da pseudo-ciência de Friedman, a metodologia “como se”.

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Os processos pelos quais as revoluções paradigmáticas ocorridas nas ciências físicas são examinados em detalhe por Kuhn em termos da evidência empírica contra os pressupostos incorporados num paradigma estabelecido vão crescendo até que o paradigma entra em colapso e é substituído por um novo paradigma. Uma revolução semelhante ocorreu na economia após a década de 1930 com o colapso do paradigma da economia clássica/neoclássica do século XIX, personificado em uma visão ideológica da realidade e do livre mercado. Esse paradigma foi substituído após a Segunda Guerra Mundial, e se tornou conhecido como síntese neoclássica, personificada numa visão ideológica econômica mista walrasiana da realidade. O colapso da síntese neoclássica na década de 1970 levou à sua integração com o velho paradigma de livre mercado do século XIX, que é referido por Goodfriend e Rei como a nova síntese neoclássica. Essa síntese, como as que vieram anteriormente, mostrou-se pouco mais do que um castelo de cartas descansando sobre uma base de areia.

Não está bem claro que tipo de paradigma vai emergir do caos dentro da disciplina de economia, que resultou do fracasso dramático da nova síntese neoclássica para fornecer um contexto, dentro do qual a crise de 2008 e suas consequências podem ser entendidos ou explicados. É claro, no entanto, ou pelo menos deveria ser claro, que continuar a aderir a metodologia “como se” de Friedman, guiando-se por uma ideologia walrasiana de livre mercado, e ignorando a natureza irrealista dos pressupostos em que teorias econômicas convencionais e seus argumentos são baseados, não vai fornecer um guia útil para a resolução dos problemas econômicos, políticos e sociais que enfrentamos hoje. Nem irá fornecer um guia útil para a resolução dos problemas econômicos, políticos e sociais que nossos filhos e netos serão obrigados a suportar no futuro, se economistas convencionais continuarem a aceitar esta metodologia absurda. [Blackford (2013; 2014, cap 1, cap 3, cap 12;… 2016a; 2016b)]

Publicado originalmente em Real-World Economics.

Referências

Acemoglu, Daron and James Robinson, Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty (2012) (Amazon)

Amy, Douglas J., Government Is Good: An Unapologetic Defense of a Vital Institution (2010) (Amazon) (WEB)

Blackford, George H., “Ideology Versus Reality” (2013) (WEB)

———, Where Did All The Money Go?: How Lower Taxes, Less Government, and Deregulation Redistribute Income and Create Economic Instability(Amazon) (Ch. 1; Ch. 3; and Ch. 12 WEB)

———, “A Note on Keynes’ General Theory of Employment, Interest, Money, and Prices” (2016a) (WEB)

———, “Liquidity-Preference/Loanable-Funds and The Long-Period Problem of Saving” (2016b) (WEB)

Dal Bó, Ernesto, Pablo Hernandez-Lagos, Sebastián Mazzuca, “Failed states and the paradox of civilisation: New lessons from history” (2016) (WEB)

Einstein, Albert and H. Minkowski, Original Papers by A. Einstein and H. Minkowski (1920) (PDF)

Fox, Justin, The Myth of the Rational Market: A History of Risk, Reward, and Delusion on Wall Street (2009) (Amazon)

Friedman, Milton, Essays in Positive Economic (1953) (PDF)

Galilei, Galileo, Dialogues Concerning Two New Sciences (1632) Translated (1914) (PDF)

Goodfriend, Marvin, and Robert G. King, “The New Neoclassical Synthesis and the Role of Monetary Policy” (1997) (PDF)

Heyne, Paul, “Efficiency” (2008) (WEB)

Kindleberger, Charles P., The World in Depression, 1929-1939: Revised and Enlarged Edition (1986) (Amazon)

Kuhn, Thomas, The Copernican Revolution: Planetary Astronomy in the Development of Western Thought (1957) (PDF)

———, The Structure of Scientific Revolutions (1962) (PDF)

Keynes, John M., The General Theory of Money, Interest, and Prices (1936) (PDF)

MacKay, Charles, The Great Transformation (1841) (Amazon)

Minsky, Hyman P., Stabilizing an Unstable Economy (1986/2008) (Amazon)

Newton, Isaac, The Principia (1686) Translated (1846) (PDF)

Polanyi, Karl, The Great Transformation (1944) (PDF) (Amazon)

Suppes, Patrick, Introduction to Logic (1957) (PDF)

Notas Finais

[1] Um excelente exemplo do tipo de falácia envolvida no argumento de Friedman no sentido de que um jogador de bilhar especialista desempenha “como se soubesse. . . complicadas fórmulas matemáticas “, porque se ele não jogar dessa forma ele não seria um jogador de bilhar especialista pode ser encontrada na discussão da heurística do olhar de Collin.

[2] Enquanto Friedman publicou seu ensaio sobre a metodologia em 1953, ele circulou na década de 1940, e a aceitação de seu ponto de vista de engenharia sobre a ciência por economistas está implícita na rejeição keynesiana da metodologia de causa e efeito da dinâmica marshalliana de Keynes, após a Segunda Guerra Mundial, em favor da metodologia Walrasiana do equilíbrio estático descritivo. Veja Blackford (2016).

[3] Ver “§21 de Einstein. A teoria de Newton como uma primeira aproximação “(Einstein e Minkowski, pp. 229-32) e também no PC Mahalanobis (Einstein e Minkowski, pp. 30-1).

[4] Ver Suppes e cf. Galileu, Newton, Einstein, Keynes e Blackford (2016a; 2016b).

[5] Ver Fox, Minsky, Polanyi, MacKay, Kindleberger, e Blackford (2014).

[6] Ver Amy, especialmente o seu website em www.GovernmentIsGood.com, Acemoglu e Robinson, e Blackford (2013).


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